Imigrantes em Terra de Emigrantes - A Saga do Caboverdiano na Grande Lisboa
Chegado a Portugal, dizia eu, segue-se a crise de adaptação do emigrante caboverdiano sem instrução e sem qualificação profissional, sujeito à exploração nas obras de construção civil, num ambiente que lhe é adverso e numa sociedade que é pouco receptiva às diferenças e ao modo de vida não-português.
Segundo Lopes Filho, “esta é a razão pela qual a inserção do imigrante numa sociedade que lhe é adversa se torna, por vezes, conflituosa, resultando daí a tendência para criar mecanismos de defesa, isolando-se na busca da reafirmação da sua identidade, e só em último caso tenta integrar-se no novo contexto sociocultural” (pág. 79).
Diga-se, em abono da verdade, que certos sectores da imprensa não só não ajudaram como ainda criaram estereótipos pela maneira como noticiaram distúrbios, rixas ou quaisquer problemas que envolvessem caboverdianos, atribuindo-lhes fama de “brigões” e “faquistas”, que Lopes Filho classifica de “o estigma da faca”, descodificando-o.
3. Parte significativa deste trabalho de João Lopes Filho é dedicada aos problemas da chamada segunda geração de imigrantes, esta, na faixa de idade escolar, enfrentando problemas vários, desde a fraca socialização que os pais podem dar aos filhos, alimentação deficiente, vivência num ambiente fechado do bairro e da sua língua materna e outras coisas mais.
Segundo Lopes Filho, é na escola que se processam os primeiros contactos dessas crianças com a sociedade e cultura portuguesas. E do confronto dessas duas culturas resulta, a maior parte das vezes, um choque. Choque esse que leva, em última instância, ao insucesso escolar e à situação de viver entre duas culturas.
Acontece também que essas crianças são muitas vezes vítimas de segregação e marginalização, tanto por parte de colegas como por parte de adultos (professores e pais dos colegas). Por outro lado, ao ser “confrontado com as imagens negativas a ele associadas, o aluno vai desenvolver estratégias de defesa que o levam a escamotear a sua identidade” (pág. 105).
Enfim, são muitos os problemas vividos por essas crianças, aqui inventariados por Lopes Filho, que também procura avançar com propostas diversas no sentido da sua superação.
Já na parte final, Lopes Filho trata a questão de os filhos dos imigrantes se situarem entre duas culturas, no “fio da navalha”, ou seja, entre os valores da comunidade de origem dos pais e os da sociedade de acolhimento. Por vezes, esses valores entrechocam-se e a conciliação dos pontos de vista que lhes são transmitidos por esses dois pólos leva a conflitos de ordem psicológica.
O autor finaliza o seu trabalho rematando que “as diversas comunidades de emigrantes caboverdianos espalhados pelo mundo conservam no seu seio os mais representativos valores tradicionais, que funcionam, por vezes, como uma ‘defesa’ para fazerem frente ao meio hostil de alguns dos seus destinos” (pág. 231).
Contudo, Lopes Filho não termina sem antes se referir ao processo de divulgação da cultura caboverdiana quer através da música, da gastronomia tradicional, da contribuição dos intelectuais na diáspora como pintores, escritores, poetas e estudiosos da temática caboverdiana, quer ainda através das Associações na defesa e afirmação dos valores culturais caboverdianos.
Eis, em breves linhas, a minha leitura de Imigrantes em Terra de Emigrantes, livro que é particularmente rico em informação e da maior utilidade para quem tenha responsabilidades no domínio educacional e formativo em Portugal e em Cabo Verde.
Título: Imigrantes em Terra de Emigrantes
Autor: João Lopes Filho
Editor: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro
Ano da Edição: 2007
Brito Semedo, in Na Esquina do Tempo, 19 de Dezembro de 2010