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Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
MEMÓRIA E HERANÇA CULTURAL

 RESUMO

     Fazendo parte do imaginário, a memória colectiva é mais rica que as objectivações histórico-culturais vividas. Mas é, também, cultura e projecto, produto e factor, matriz e fim. Situa-se atrás e à frente do desenvolvimento, envolvendo-o e sendo por ele dinamizada. Por isso constitui o eixo no qual se cruzam as áreas que estabelecem a relação entre passado e presente, inscritas no registo escondido das recordações.

     Assim, face à dinâmica evolutiva, a imaginação apropria-se de signos da actualidade e a partir dos mesmos incorpora no seu quotidiano traços inovadores, que vão enriquecer a cultura local. Porém, sob os auspícios da globalização/desenvolvimento, conjugada com as influências que os mass medea, aliadas às novas tecnologias vêm introduzindo massivamente na sociedade cabo-verdiana, os caminhos da memória colectiva sofrem perturbações com possíveis repercussões na especificidade da nossa identidade cultural, por via da agregação de elementos de certa forma desajustados do contexto social.

     Por isso mostra-se de todo o interesse debruçar sobre a temática da memória colectiva / herança cultural num diálogo aberto e dentro de parâmetros que possam ser actuantes na contemporaneidade e no sentido da sua preservação.           

 ABSTRACT

     As part of the imaginary, collective memory is richer than the historical-cultural objectivities lived anywhere. But it is also culture and project, product and factor, and matrix and aim. It lies behind and in front of development, surrounding and energizing it. So it is the axis on which are intersected the areas which establish the relationship between past and present and are registered in the hidden memories book.

Thus, because of the evolutionary dynamics, appropriate current signs are used by imagination incorporated with innovative features in its everyday life so enriching the local culture. However, under the auspices of globalization and development, together with massive influences by mass media and new technologies in Cape Verdean society, the tracks of collective memory suffer from disorders with possible repercussions on the specificity of our cultural identity by aggregating elements not suited to the social context.

So it is of all interest reflecting on the theme of collective memory / cultural heritage in an open dialogue and within parameters of contemporaneity and towards its preservation.

 “Essa antimatéria que pode

 num átomo

 reacender o que na matéria

se apagara para sempre.”

Ferreira Gulla*

           Dizia La Bruiero que “tudo já foi falado e escrito há milhares de anos”. Porém, como Cabo Verde saiu de uma situação colonial sem consistentes estruturas ligadas à preservação e valorização da memória colectiva, pareceu-nos conveniente debruçar sobre alguns aspectos gerais desta temática ainda pouco estudados entre nós, com o intuito de fomentar o interesse comum para o seu estudo e dinamização, bem como fazer face aos efeitos do progresso / desenvolvimento, que podem conduzir ao seu progressivo desaparecimento.

           Neste encadeamento abordaremos alguns conceitos e formulações em torno do referido tema, tentando incentivar aqueles que ainda estejam pouco habituados a lidar com o assunto e os capacitar para um maior envolvimento no conhecimento das nossas raízes, visando fortalecer memórias e reafirmar identidades


Toda a acção humana é dotada do sentido e valor que os sujeitos lhe atribuem, sendo também um acto social caracterizado pela interpretação, de acordo com o processo lógico dos comportamentos racionais. Pode mesmo dizer-se que os motivos e os valores que orientam essa acção fundamentam o sentido atribuído pelo actor e correspondem à compreensão alcançada pelo observador.

Faculdade intimamente relacionada com a conservação de representações mentais anteriormente adquiridas, a memória “é um elemento essencial do que se costuma chamar “identidade”, individual ou colectiva, cuja busca é uma das actividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje (…) A memória onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro”[i].

O seu aparecimento como objecto de estudo nas Ciências Sociais e Humanas deve-se a Maurice Halbwachs, nas obras Les Cadres Sociaux de la Mémoire[ii] e em La Mémoire Collective[iii], onde distingue memória colectiva e individual, entendendo que os indivíduos adquirem memórias diferenciadas em função dos agregados sociais a que pertencem, ou seja, os grupos de parentesco, profissionais, religiosos e classes sociais. Logo, a memória é social, por ser adquirida nesse contexto, havendo a necessidade de uma comunidade afectiva onde se desenvolve a interacção, através de práticas, experiências e códigos simbólicos partilhados, sedo também estruturada pela linguagem, como parte do processo de reprodução social.

Neste sentido, Halbwachs aponta a impossibilidade de conceber questões relacionadas com a recordação e a localização das lembranças sem tomar em consideração os quadros sociais reais, que servem de pontos de referência à reconstrução denominada “memória”[iv]. O mesmo autor mostra que um testemunho só ganha sentido ao ser relacionado com o conjunto do qual faz parte, por supor um acontecimento vivido outrora em comum e como tal, dependente do quadro de referência em que o grupo que o experimentou presentemente evolue. Afirma, pois, “nous dirons volontiers que chaque mémoire individuelle est un point de vue sur la mémoire collective, que ce point de vue change suivant ls place que j’y occupe, et cette place elle-même change suivant les relations que j’entretiens avec d’autres milieux (…) Cependant lorsqu’on essaie d’expliquer cette diversité, on en revient toujours à une combinaison d’influences qui, toutes, sont de nature sociale”[v].

Não restam dúvidas da existência da memória individual inserida, contudo, em quadros diferentes que se aproximam pela simultaneidade ou contingência, situados na encruzilhada das redes de solidariedades múltiplas que o ser humano integra.

Paul Connerton refere, também, que as experiências do presente dependem, em grande parte, dos conhecimentos que se possui, que legitimam, normalmente, essa ordem social, defendendo que os indivíduos recordam em comum, na medida em que “por muito pessoal que possa ser, mesmo a recordação de acontecimentos que só nós presenciámos, ou a de pensamentos e sentimentos que ficaram por exprimir, existe em relação com todo um conjunto de ideias que muitos outros possuem: Com pessoas, lugares, datas, palavras, formas de linguagem, isto é, com toda a vida material e moral das sociedades de que fazemos parte, ou das quais fizemos parte”[vi]. Esse laço assenta na localização do semelhante no espaço e no tempo, sustentado pela rememoração e aquilo que se recorda depende da identidade assumida.

Na óptica das Ciências Sociais, a memória prende-se com o modo como os grupos se relacionam com o passado, através do reconhecimento das representações inscritas na herança cultural e no imaginário colectivo. Pierre Nora associa-a, também, à história, por ser “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem dela”, sublinhando a memória como “uma natureza multifacetada e desmultiplicada, colectiva, plural e individual”. Neste ponto de vista, surge uma nova situação recodificada e redefinida referente aos lugares não cristalizados que reconhecem a perda de perenidade e se articulam com a sucessão de acontecimentos da história da actualidade.

Assim, enquanto a memória individual não é suficiente para o reconhecimento das lembranças, as recordações permanecem colectivas e são relembradas pelos outros[vii], não bastando apenas que estes forneçam os seus testemunhos, sendo antes necessário que ela “n'ait pas cessé de s'accorder avec leurs memóires et qu'il y ait assez de points de contact entre l'une et les autres pour que le souvenir qu'ils nous rappelent puisse être reconstruit sur un fondement commun”[viii].

Existem, portanto, memórias individuais e colectivas, porque o indivíduo participa nas duas situações adoptando atitudes que poderão ser contraditórias, uma vez que é no seu quadro pessoal que encontrará recordações próprias, mas sendo também capaz, em outros momentos, de contribuir na evocação e perpetuação das lembranças interpessoais que interessem ao grupo. Assim, ambas interagem com frequência, em particular se a lembrança individual (para confirmar essas recordações e mesmo para anular algumas das suas lacunas) se apoiar na colectiva, repondo-se nela ou confundindo-se, momentaneamente, com a mesma, pois para evocar o seu próprio passado, qualquer indivíduo necessita de apelar às lembranças dos outros, remetendo para pontos de referência fixados pela sociedade. A memória colectiva, por evoluir consoante as suas leis, por sua vez, envolve as memórias individuais, sem se confundir com elas e, se algumas lembranças individuais a penetram, “ils changent de figure des qu'ils sont replacés dans une ensemble qui n'est plus une conscience personnelle”[ix].

Por outro lado, Halbwachs estabelece uma distinção entre a memória histórica, que supõe a reconstrução dos dados fornecidos pelo presente da vida social, sendo projectada sobre o passado reinventado, e a “memória colectiva” que, de alguma forma, recompõe o passado. Se pela primeira se entende o seguimento dos acontecimentos, cuja história nacional conserva a recordação, não é esta recordação que representa o essencial da memória colectiva, pois não se confunde com a história, talvez pela expressão “memória histórica” não ter sido uma escolha feliz ao associar, assim, dois termos opostos. De facto, a construção histórica implica uma recolha de factos que ocuparam lugar de destaque nas memórias das pessoas que são conservados nos livros e ensinados às novas gerações. Se a história procura conservar a imagem do passado como parte integrante da memória colectiva, acontece por vezes registar somente aquilo que interessa às sociedades actuais. Deste modo, a memória colectiva distingue-se da história por ser uma corrente de pensamento contínuo, pois retém do passado aquilo que é capaz de permanecer na consciência do grupo que a conserva, sem ultrapassar os limites dos respectivos valores e comportamentos.

Além do mais, existem inúmeras variantes nas memórias colectivas, enquanto há uma tendência para “construir” uma única história, apesar de “le monde historique est comme un océan ou affluent toutes les histoires partielles”[x].

A memória colectiva estriba-se num grupo limitado no tempo e no espaço (só podendo reunir nesse quadro único a totalidade dos acontecimentos passados), pelo que não se separa daqueles que guardam essa recordação. Porém, não se trata de revivê-los na sua realidade, mas antes colocá-los nos momentos históricos dispostos pelos acontecimentos, quadros esses que permanecem exteriores à vivência actual dos grupos. Assim, a história interessa-se, sobretudo, pelas diferenças, abstraindo-se das semelhanças, sem as quais não haveria memória, motivo pelo qual e, apesar da variedade dos lugares e dos tempos, analisa os acontecimentos em termos aparentemente comparativos para estabelecer um encadeamento entre os mesmos.

A perspectiva histórica observa os grupos do exterior e abraça uma duração longa, ao passo que a memória colectiva entende o grupo visto de dentro, apresentando um quadro que se desenrola no tempo por tratar o seu passado, de tal forma, que se reconhece nas sucessivas imagens.

Não é, contudo, suficiente reconstruir todas as imagens de um acontecimento passado para obter a sua recordação, porque são também precisas as noções e sentimentos comuns, que se encontram no espírito da comunidade. Grande parte das recordações preservam-se por serem transmitidas e, mesmo que não se encontrem materialmente presentes, pode falar-se de memória colectiva ao evocar acontecimentos que no passado ocorreram no seio do grupo[xi]. De facto, estende-se até onde existam referências dos grupos que a compõem, não sendo por antipatia, repulsa ou indiferença que ela esquece uma parcela de acontecimentos e personagens, mas antes pelo facto dos elementos dos grupos que as guardavam terem desaparecido sem os transmitirem a outrem.

Na tentativa de explicar tão vasta diversidade de abordagens, regressa-se sempre à combinação das influências de natureza social, pois a sucessão de recordações (mesmo as mais pessoais) baseia-se nas mudanças produzidas nas relações com os diversos suportes colectivos, um dos componentes da denominada “memória social”, a qual é, para Lévi-Strauss (juntamente com a memória cultural), um dos pilares da cultura, tida neste contexto como um importante “capital humano”. É, também, através destes dois esteios que são “elaboradas as diferentes simbolizações das experiências humanas, quer individuais, quer colectivas”[xii], deduzindo-se, assim, a memória social ser “formada pela interacção de três níveis: A memória histórica, a memória colectiva e a memória individual”[xiii].

Deste modo, considera-se a memória como um facto social, embora de um tipo especial, uma vez que “algumas das nossas recordações parecem na verdade ser mais privadas e pessoais do que outras (...) As nossas recordações estão misturadas e têm ao mesmo tempo um aspecto social e outro pessoal”[xiv]. Representa, portanto, expressão da experiência colectiva, identifica um grupo, dando sentido ao seu passado e definindo as suas aspirações futuras[xv], pois, “não é meramente retrospectiva, é também prospectiva. A memória dá uma perspectiva para a interpretação das nossas experiências no presente e para a previsão do que virá a seguir”[xvi], porque será transmitida e, para isso, tem antes de ser articulada.

Daí a memória constituir um processo de reestruturação activa, em que se podem reter elementos (bem como reordenar ou suprimir) referentes a uma selecção levada a cabo a partir de um conjunto infinito de “grelhas” possíveis pela relevância dada pelo grupo, ou pelo contributo para a construção da identidade do mesmo. De facto, “se uma sociedade não dispõe de meios para fixar a memória do passado, a tendência natural da memória social é suprimir o que não é significativo ou intuitivamente insatisfatório nas memórias colectivas do passado e interpolar ou introduzir o que parece mais apropriado ou mais em conformidade com determinada concepção do mundo”[xvii].

De facto, a memória social nem sempre conserva os factos, que se perdem quando dados são apagados ou ignorados intencionalmente, pelo que “fixar qualquer coisa na memória significa, portanto, conceptualizá-la e codificá-la num contexto interno, pois isso permite-nos reter a recordação independentemente de alterações no ambiente externo”[xviii].

Esta, consoante o modo como é gerada e compreendida no seio de um determinado grupo social, mostra a sua posição relativamente ao presente[xix], “dando assim fundamento a todos os aspectos daquilo a que os historiadores chamam hoje as “mentalités”. Para muitos grupos, isso significa voltar a montar o puzzle: inventar um passado adequado ao presente ou, do mesmo modo, um presente adequado ao passado”[xx]. Há que se atender ao facto de “entendermos o mundo presente num contexto que se liga casualmente a acontecimentos e objectos do passado e que, portanto, se toma como referência acontecimentos e objectos que não estamos a viver no presente”[xxi].

Convém notar, que a memória é mais forte no presente, onde é exercida e testada de forma constante, transformando-se depois numa fonte histórica, pois “representa o passado e o presente ligados entre si e coerentes, neste sentido um com o outro (...) Esta inserção da memória na experiência presente pode, também, ser a raiz da sua debilidade como fonte de conhecimento do passado”[xxii].

Por não ser estanque, a memória ao interagir com a individual, ou seja, a “capacidade pessoal de evocação duma imagem-recordação, dum acontecimento do passado em que se tomou parte ou de que se foi espectador”[xxiii], fornece os elementos constitutivos do seu passado (através da oralidade, dos rituais, dos sentimentos, dos gestos e das mímicas), concluindo-se daqui, que a “persistência de acontecimentos passados na memória individual, como aliás na memória colectiva, depende da persistência da estrutura do grupo, caracterizada pelo sistema de comunicação entre os membros do grupo e pelo conjunto das posições sociais definidas e articuladas umas em relação às outras”[xxiv] e na “sua função de socialização e de integração social, a memória cultural associa os vínculos sociais entre os grupos de pertença e os grupos de referência, através de processos de interacção do passado e do presente, por um lado, e de processos de interacção das várias memórias colectivas, por outro lado”[xxv], num processo contínuo de criação, tendo por base diversos elementos identitários e do imaginário comum.

Tanto mais que a recordação caracteriza-se por uma reconstrução do passado com a ajuda de elementos do presente, aos quais se aliaram “reconstituições” de épocas anteriores, donde podem emergir imagens alteradas. Também pelo facto de cada indivíduo ser membro de vários grupos, participa em múltiplos pensamentos sociais e o seu olhar mergulha em vários espaços colectivos, variando também os limites até onde remontam no passado, o que explica que os pensamentos individuais, conforme a sua participação, atinjam lembranças mais ou menos distantes, que se relacionam no tempo e espaço, dando lugar ao desenvolvimento de muitas memórias colectivas que mantêm, por algum tempo, a lembrança de acontecimentos que interessam aos seus membros (mesmo que pouco numerosos).

Para nos lembrarmos da época e do lugar correspondente a um determinado facto, temos de nos apoiar num quadro local ou temporal, que ajuda nessa tarefa, o qual, apesar de conservar os traços do período a que se reporta, só foi recordado porque ser pensado no tempo em que o acontecimento teve lugar. Como cada grupo define localmente as suas memórias, representando-as temporalmente de modo próprio, igualmente, quantos mais grupos existirem, mais tempos diferentes se encontram, motivo pelo qual o conceito de tempo não poderá ser entendido como universal e único.

As imagens espaciais detêm um papel fulcral na memória colectiva, porque o grupo transforma-as, ao mesmo tempo que cede e se adapta aos aspectos culturais mais resistentes. Por isso os percursos do grupo podem traduzir-se em termos espaciais e cada detalhe do lugar ocupado tem um sentido, inteligível apenas para os membros do grupo, pois partes do espaço correspondem a diferentes aspectos da estrutura e da vida da sociedade em que se inserem.

Muitos hábitos locais resistem às forças transformadoras, permitindo entender até que ponto a memória colectiva cativa as suas imagens espaciais, visto não se poder preservar o passado sem conservar o imaginário, fixando-o no espaço, para que reapareçam lembranças, dado não haver grupo ou actividade colectiva que não mantenham qualquer tipo de relação com um lugar.

Por esse motivo, a maioria dos grupos encontra as suas recordações no quadro espacial e, por isso, existem tantas maneiras de representar o espaço, que é recortado de maneira particular, constituindo um quadro físico que encerra as lembranças. Assim, “recueillons-nous maintenant, fermons les yeux, remontons le cours du temps aussi loin qu'il nous est possible, tant que notre pensée peut se fixer sur des scenes ou sur des persones dont nous conservons le souvenir. Jamais nous ne sortons de l'espace. Nous ne nous retrouvons pas, d'ailleurs, dans un espace indéterminé, mais dans des régions que nous connaissons, ou dont nous savons bien que nous pourrions les localiser, puisqu'elles font toujours partie du milieu matérial ou nous sommes aujourd'hui »[xxvi].

     O conceito de “lugar” está intimamente relacionado com o território, que corresponde a uma possível “harmonia do sítio”, dando sentido ao espaço, reunindo portanto, a identidade cultural, a história social, o desenho urbano e a percepção de referências.

     Note-se, que a definição aristotélica de lugar, relaciona-se “com algo que exerce certas influências, que afecta o corpo que está nele”[xxvii], prendendo-se com uma “configuração” dos elementos que coexistem numa determinada ordem, ou seja, num mesmo lugar podem coabitar elementos distintos e singulares, relacionando-se a realização do lugar com a produção sócio-económica, política e cultural.

Acresce que Marc Augé, relaciona o “lugar antropológico” com o espaço social através dos elementos móveis, especialmente as pessoas e suas actividades, adquirindo um estatuto de relevo, o que leva o cenário urbano a entrar num jogo de relações entre os elementos envolventes e a cadeia de acontecimentos precedentes. Assim, “na geografia que nos é quotidianamente mais familiar, poderíamos falar, em primeiro lugar, de itinerários, de eixos ou caminhos traçados pelos homens e que conduzem de um lugar para outro e, em segundo, de cruzamentos e praças onde os homens se cruzam, encontram e reúnem, cujo desenho, atinge por vezes, vastas proporções, a fim de satisfazer, nomeadamente nos mercados, as necessidades da troca económica e, por fim, de centros mais ou menos monumentais, quer religiosos quer políticos, construídos por alguns homens que definem um espaço e fronteiras para além dos quais outros homens se definem enquanto outros, face a outros centros e a outros espaços”[xxviii].

O facto de nascer e ser criado num determinado local, implica a construção individual de um sentimento de pertença, não só relativamente ao espaço topológico, mas também a uma comunidade específica, cuja base é a gente local e o território em que esta evoluiu. Trata-se, assim, de dois elementos indissociáveis na compreensão da memória social onde a identidade individual se confunde com a da comunidade. Apesar da sua aparente fragilidade, a memória colectiva possui uma idoneidade cimentada por séculos e, como importante mecanismo de socialização, contém um sentimento de pertença que orgulha a respectiva sociedade[xxix].

O lugar é, também, entendido como um conjunto de identidades colectivas, na partilha de valores e de experiências importantes dentro de grupos culturais, que estabelecem relações com a sua história, ou modos de percepção, apropriação, ou celebração. A experiência urbana contemporânea propicia a formação de lugares e não lugares que se relacionam-se com um sistema mais vasto, nomeadamente a sociedade global, tornando o mundo um único lugar[xxx].

Pierre Nora considera serem “lugares no sentido preciso do termo em que uma sociedade qualquer que ela seja, uma nação, uma família, uma etnia, ou um partido, encerram voluntariamente as suas recordações e as reencontram como uma parte necessária da sua personalidade: Os lugares topográficos, como os arquivos, bibliotecas e museus; os lugares monumentais como os cemitérios, ou o património construído; os lugares simbólicos, como as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou emblemas; os lugares funcionais, como os manuais, as autobiografias ou as associações. Todos esses memoriais têm a sua história (…) Mas fazer esta história conduz depressa a mudar o sentido da própria palavra passando da memória dos lugares aos verdadeiros lugares da memória: Estados, meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou gerações levadas a constituírem os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória. Uma enorme gradação se esboça: Dos costumes vividos no inconsciente social até às marcas deixadas nos arquivos, passando pela tradição vivida no consciente histórico”[xxxi].

Os “lugares de memória” têm o poder de evocar as lembranças de um grupo ou de uma comunidade, não só através dos espaços físicos, como também locais imaginários ou tradições comemorativas de eventos sociais, entendidos como lugares de cultura histórica, que ajudam a vivência contemporânea relativamente à sua memória pública, como suporte material da identidade. Por outro lado, as consequências do crescimento urbano, e as ameaças de descaracterização ou de demolição irreflectida, conduzem ao reconhecimento da tendência para o desaparecimento da noção de lugar, imperativo inicial para a vontade da sua salvaguarda ou reconstrução. Assim, a importância do “monumento prende-se (…) precisamente com o seu modo de acção sobre a memória. Não só ele a trabalha, como também a utiliza pela mediação da afectividade, de forma a recordar o passado, fazendo-o vibrar à maneira do presente. Mas este passado invocado e convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: Foi localizado e seleccionado para fins vitais, na medida em que pode, directamente, contribuir para manter e preservar a identidade de uma comunidade (…) A sua relação com o tempo vivido e com a memória, noutras palavras, a sua função antropológica, constitui a essência do monumento (…) O monumento assemelha-se bastante a um universo cultural. Sob múltiplas formas parece estar presente em todos os continentes e em quase todas as sociedades”[xxxii].

Jean-pierre Mohen esclarece que o impacto de um lugar de memória é principalmente regional mesmo que o renome do “monumento” ou da população que habita o lugar seja nacional[xxxiii]. Nesse seguimento, “el patrimonio es sentido por los ciudadanos como una realidad que les pertenece, que ellos han contribuido a crear al igual que sus antepasados y que debe, por ello, conservarse y enriquecerse para transmitirlo a las generaciones futuras. Desde el conocimiento del pasado, recreado y reinventado, se tiende hacías el futuro reinterpretando, al mismo tiempo, el presente que nos toca vivir”[xxxiv]. Por esse motivo, a importância da “classificação dos antigos núcleos ainda perceptíveis na malha urbana actual, como áreas históricas e, consequentemente, como áreas de especial sociabilidade, é evidente, porque são ainda hoje lugares-memória da população que afirmam a sua identidade face às comunidades que lhes estão próximas através das mais variadas manifestações culturais”[xxxv].

Também os arquivos, as bibliotecas e os museus, constituem o que podemos designar por instituições de memória[xxxvi], enquanto organismos pluri-funcionais (conservação, restauro e exposição), têm a responsabilidade de reconstituir o passado de cada grupo social, proporcionando uma tomada de consciência através do “reenvio da sua própria imagem”[xxxvii], comemorando a memória colectiva de um povo. Portanto, “o que significa memória colectiva? Diz-se com frequência que constitui os alicerces da identidade cultural, que por sua vez, motiva os museus enquanto empresas públicas, uma vez que contribuem para o bem-estar dos cidadãos. Cada acto de recolha é selectivo, e cada tentativa para construir uma identidade cultural é um empreendimento perigoso, por excluir outras, podendo basear-se tanto na percepção intuitiva do carácter e espírito de um local, ou em análises históricas do passado, como redundar numa simplificação, e as mudanças políticas de uma sociedade levam regularmente a uma redefinição do conceito de património (…) Fica muitas vezes por responder a questão constante dos registos dos museus referente à razão pela qual foi coleccionado um dado objecto, ao tipo de memória colectiva e significado cultural que era suposto representar”[xxxviii].

Assim, poderá dizer-se que a tradição transporta para os dias de hoje aspectos de um passado marcado na vivência das pessoas, e que essa mesma tradição pode condicionar comportamentos e mentalidades do povo por ela envolvido. De uma forma ou de outra, a tradição marca a cultura de um grupo e no seu conjunto, gera a memória colectiva, que por sua vez faz parte da identidade de determinada comunidade. Estende-se não só ao mundo material, como ao seu ambiente psicológico e imaterial, tais como crenças, práticas e costumes, atitudes e memórias que devem ser valorizados e aprofundados pela museologia actual, trabalhando e estudando as tradições que a compõem de forma a melhor entender comportamentos actuais, melhorando a qualidade de vida e entendendo e actuando no futuro dessa mesma comunidade. Nesse sentido, a Nova Museologia processa-se, essencialmente, a partir da comunidade e assim os aspectos tradicionais desta são elementos preponderantes no tratamento museológico e decerto influenciarão todo o seu ambiente, desde a preservação do património ao modo como este é divulgado.

Por ser um elemento catalisador para a constituição de memória e um importante mediador entre o indivíduo, a sua comunidade e respectiva identidade, o museu local funciona como um instrumento de salvaguarda e valorização do património local, promovendo, para isso, os saberes tradicionais, ao mesmo tempo que dá um novo uso social e didáctico aos bens.

Assim, o museu começou a ser encarado como um espaço de memória viva desde que Malraux propôs o “museu imaginário”, pondo de parte a ideia do museu como templo, para passar a ser um espaço de memória útil e a fazer a ponte entre o passado e o futuro.

Segundo Francisco Calvo Serraller, “o museu público tem como missão perpetuar a memória histórica porque, se o museu não cumprisse essa missão, desapareceria a sua função ontológica. Simultaneamente, o museu acolhe o paradoxo da modernidade, assumindo a reconciliação entre a tarefa de conservar e o ritmo da produção cultural, as rápidas mudanças, pois “contrariamente ao que acontece ao museu tradicional, o eco-museu é produto da vontade de uma população local de manifestar e confirmar a sua identidade, de procurar a sua história para se fortalecerem perante a ameaça aos valores tradicionais que representa o desenvolvimento sócio-económico da agricultura em grande escala e da indústria”[xxxix], do mesmo modo que “recording the individual memory, the ecomuseums are obviously possible laboratoires of oral history, working on the contents of the testomonies as well as on the ways in which they come to our ears, informing us on the people’s mind as much as on the realities of the past”[xl].

Por outro lado, ter-se-á de ter em conta, que “só há pouco tempo a palavra (património) tem alargado o seu âmbito, para designar predominantemente os bens com um valor cultural e mesmo os valores invisíveis ou imaginários a que se dá o nome de “património simbólico”. Actualmente, portanto, começa a arreigar-se a noção de um património colectivo de cuja preservação toda a comunidade é responsável e que, por isso, cria em todos os seus membros direitos e deveres de intervenção para preservar e valorizar toda a espécie de bens com valor patrimonial”[xli]. Por tudo isso, “já não se trata apenas de conservar, restaurar ou recuperar o monumento imponente, a grande obra de arte, o edifício emblemático, mas também um vastíssimo acervo de bens e vestígios que documentam modos de vida, usos e costumes populares, estruturas e actividades económicas do passado, saberes e práticas artesanais em vias de extinção, e mesmo ligações afectivas de comunidades locais a determinadas marcas e símbolos materiais da sua vida colectiva”[xlii].

Enquanto antes se procurava na história dos lugares, a memória colectiva em busca da identidade e percepção do tempo, actualmente as memórias inscrevem-se não só nos lugares topográficos (os arquivos, as bibliotecas e os museus) e lugares monumentais (os cemitérios ou as arquitectura), como também nos lugares simbólicos (as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblema) e lugares funcionais (os manuais, as autobiografias ou as associações topográficos), ou nas mais variadas tecnologias.

Por isso, “qualquer documento (memória escrita, texto ou objecto) só é susceptível de interpretação no quadro de vida da sua produção e do seu uso, do mesmo modo que os hábitos e as mundividências dessa comunidade historicamente situada se exprimiram nos objectos que criou, usou ou legou”[xliii], pelo que “uma reflexão em torno dessa articulação de memórias inscritas e incorporadas, de património material e imaterial tem”[xliv] uma especial importância.

Também, como refere Alberto Carvalho, no processo de criação literária, “o escritor vai-se transformando em investigador para descrever uma certa realidade utilizando os documentos e as técnicas do trabalho de campo”[xlv] metodologia que permite a utilização do discurso de ficção como fonte de informação. São as estórias que, também, dão conta do contexto social do qual fazem parte e, deste modo, possibilitam chegar à lógica geradora de conteúdo e, a partir dela, a visão do mundo de quem as produz. Pretende-se, assim, através do espaço etnográfico, aproximar o detalhe empírico à ordem lógica, como uma via para chegar a uma interpretação das categorias do pensamento em que se expressam as representações colectivas, que aparecem reflectidas nas estórias tradicionais. A análise do conteúdo desses textos está vinculada à sua natureza, por possuírem um nível particular de expressão do imaginário colectivo, patentes na relação entre o relato e as características da cultura de que são originárias.

Atente-se ao facto de a “passagem” da memória individual para a social ocorrer essencialmente de uma forma verbal, pois partilhar as recordações com o grupo é relevante para todos os seus integrantes, pelo que a tradição oral, como criação espontânea de cada povo, está impregnada dos diferentes aspectos do respectivo quotidiano, desempenhando, por isso, funções múltiplas, ao actuar como memória da sociedade, através da transmissão de códigos de ética, moral e cultural. Deste modo, permite captar os juízos, desejos e emoções de uma sociedade, visto constituírem, em muitas culturas, a forma mais utilizada para transmitir saberes, tradições, valores e comportamentos cuja especificidade os identifica perante os demais.

Pode dizer-se, que a “memória colectiva, trabalho sempre recomeçado sobre a linguagem e o imaginário, recriação simbólica do quotidiano, a literatura tradicional de transmissão oral, é um veículo de modelos culturais que, funcionando paralelamente aos do universo dito “culto”, são todavia permeáveis a contaminações e caldeamentos, num processo permanente de intertextualidade”[xlvi]. Por este motivo, há que ter em conta que nas sociedades sem escrita, existem “especialistas da memória”, os “homens-memória”, os genealogistas, os guardiães dos códices reais, pelo que “o aparecimento da escrita está ligado a uma profunda transformação da memória colectiva (…) A escrita permite à memória colectiva um duplo progresso, o desenvolvimento de duas formas de memória. A primeira é a comemoração, a celebração de um monumento comemorativo de um acontecimento memorável. A memória assume, então, a forma de inscrição e suscitou na época moderna uma ciência auxiliar da história, a epigrafia”[xlvii].

Desta maneira, a memória colectiva é continuamente construída e apreendida pelos diversos grupos, não só através da comunicação oral, como também pela escrita, média (ou outros meios), sempre que essas recordações, quer vividas ou transmitidas, sejam repetidamente evocadas e apresentadas como específicas de uma determinada comunidade (a nível do reencontro e da salvaguarda da sua identidade), transportando o tempo da memória colectiva ao binário e cíclico ­ “ontem” e “hoje”, “antes” e “depois”.

Por seu turno, um olhar atento à história recente, confirma que cada época tem os seus mitos, lendas e heróis, representando a expressão dos desejos da respectiva geração e nacos do quotidiano dos usos desse período, pelo que, “o estudo do quotidiano abrange por um lado, espaços/objectos e os respectivos procedimentos, hábitos e normas de ocupação/manipulação e, por outro, os traços mentais colectivos, traduzíveis nas crenças, nas memórias orais de usos e nas vivências do dia-a-dia. Nesta, ou noutras acepções, o estatuto do quotidiano permanece desvalorizado pela historiografia (…) O tema ainda não ganhou uma verdadeira dignidade (…) continuando relegado, com carácter geralmente analítico e descritivo (…) No entanto (…) sem se pretende evitar cair na busca fácil de “curiosidades” históricas, o estudo dos quotidianos passados implica a detecção de traços do tempo longo que sejam significativos do dia-a-dia (…) e as fontes nem sempre facilitam a tarefa: Nos textos, os autores abstêm-se naturalmente de descrever o que os seus leitores conhecem perfeitamente porque o têm debaixo dos olhos (…) E que haverá de mais familiar e de mais quotidiano do que os gestos, os objectos e os hábitos que constituem a cultural material?”[xlviii]. Donde se insurge uma “necessidade de alargar o campo das fontes, ultrapassando o âmbito estrito das fontes literárias e pesquisando a memória individual (através de métodos como o da História Oral) e os vestígios materiais das práticas sociais (…) articulando a recolha do objecto e da memória do seu utilizador”[xlix].

Neste seguimento, também o jogo tradicional, por exemplo, está intimamente ligado ao dia-a-dia das populações, repetindo-se a sua prática de forma cíclica consoante as sementeiras, as colheitas, as estações do ano, as festas e romarias ou as quadras religiosas. Mais do que uma actividade lúdica, representa um pedaço da memória secular, expressão autêntica das relações das pessoas com o mundo físico ( consigo e com os outros).

Igualmente, “as actividades artesanais significam artífices, mas significam, também, produtos bem variados com quem estabelecemos relações de afecto, bens que nos envolvem, que nos remetem para outros tempos, outros usos, outros equilíbrios. São estes bens (…) produzidos segundo tecnologias tradicionais e fazendo apelo a um capital de memórias, concretizado em formas, texturas, desenhos e padrões”[l].

Perante o interesse relativamente a outras áreas culturais, temos os “Grupos Etnográficos”, cujas actividades se prendem com a preservação das suas raízes, tanto no que concerne às canções e dança, assim como a fidelidade dos próprios trajes e adornos, verificando-se um empenho em pesquisar e elaborar campanhas de recolha de material, aspecto que transforma muitas das sedes das suas associações em pequenos núcleos museológicos, que pelo seu interesse não pode ser descurado, mas antes deverão ter um apoio técnico e metodológico com vista à identificação, registo e conservação do respectivo espólio.

Neste sentido, “poderemos ir olhando a memória como expressão de experiência colectiva: A memória social identifica um grupo, conferindo sentido ao seu passado e definindo as suas aspirações para o futuro. Ao fazê-lo, a memória social faz muitas vezes exigências factuais sobre acontecimentos passados”[li], ideia que não traduz uma descontinuidade entre o passado e o presente, mas que poderá reflectir-se num conceito que obriga a redefinições identitárias.

Portanto, as memórias colectivas encontram-se no âmago dos espaços materiais e mentais das comunidades como parte integrante das experiências e lembranças, às quais os seres humanos dão sentido em função dos agregados sociais a que pertencem, embebida, também, da própria recordação individual.

A análise do conceito de memória social contribui, também, para um melhor entendimento do conceito de identidade pelo papel social que desempenha na integração das várias épocas, pois “só pode ser social se puder ser transmitida (...) não implica discurso, pode ser transmitida e preservada em rituais – gestos”[lii], sendo as recordações seleccionadas pelo seu contributo para a construção da identidade. A relevância do que é lembrado acentua-se pelas memórias partilhadas (o caso de narrativas faladas ou escritas, histórias, contos populares), que tomam forma dentro do quadro de significados conferido pelo grupo. Normalmente ligam-se com um passado simbólico e têm por função constituir a identificação de dada comunidade em que se apoia e cria a tradição, tendendo a realçar a identidade social, associando imagens guardadas em si como conceitos referentes a circunstância (nem sempre testemunhadas pessoalmente), transmitidas pela tradição como acontecimentos. A contextualização de certas memórias sociais através de determinado grau de verdade ou validade que o grupo lhe confere, reflectem a cultura e a prática social, motivo pelo qual a “arrumação” da memória social de dada comunidade revela os seus sentimentos e crenças, tendo de responder a questões de ordem sociológica, cultural, ideológica ou histórica de dado grupo para sobreviver e constituindo, por isso, o principal elemento da identidade social.

Assim, a memória colectiva entendida como o conjunto de todos os elementos tradicionais que perpassam pelo tempo e que identificam e diferenciam através da dicotomia nós/outros representa os legados do passado, com o suporte do chamado “imaginário colectivo”, detendo uma importância crucial a nível da identidade, pelo que “o carácter fundamental da memória colectiva consiste na perpetuação da identidade dos sentimentos e das imagens do grupo, mesmo quando afectado por mutações e contradições; esta identidade é mantida pela selecção das recordações e das representações das transformações nas relações do grupo com outros grupos”[liii].

A tendência globalizante tem como resposta a reafirmação das identidades culturais (nacionais e regionais) suportadas pelas memórias colectivas, como forma de resistência à uniformização, motivo pelo qual “a preservação e o registo do imaginário e das práticas desta era, são um acto de denúncia da discriminação. Ajudam a desvendar os mecanismos pelos quais se produzem e reproduzem os sistemas de dominação. Deuses e deusas, homens e mulheres, convivemos, afinal, no mesmo espaço, buscamos com o nosso empenho a felicidade e um lugar neste mundo”[liv].

Daí que « l’identité est attachée à la notion de permanence, de maintien de repères fixes, constants, échappant aux changements tient affecter le sujet ou l’objet par le cours du temps. En deuxième lieu, l’identité s’applique à la délimitation qui assure de l’existence à l’état séparé, permettant de circonscrire l’unité, la cohésion totalisatrice indispensable au pouvoir de distinction. Enfin, l’identité est un des rapports possibles entre deux éléments par lequel est établie la similitude absolue qui règne entre eux, permettant de les reconnaître comme identiques (…) Être, être un, reconnaître l’un, constituent solidairement le sol de son activité »[lv].

A memória pode ser vista como a base para todos os actos de um indivíduo, sem exigir uma reflexão (a capacidade de andar, falar, ler, escrever), considerada essencial para a vida das sociedades, que Paul Connerton define como “memória hábito”[lvi], semelhante ao habitus de Bourdieu (pré-disposição transformada em processo de sociabilização, forma como o indivíduo se identifica com a sociedade em que vive, os processos de elaboração são a capacidade de jogar dentro do sistema social, definido no conceito de role), também herdeiro do conceito de habitus corporal de Marcel Mauss (os usos do corpo moldados pela actividade específica de cada grupo social[lvii].

Connerton acentua como as cerimónias comemorativas e as práticas corporais quotidianas, suportes de imagens e conhecimento do passado são conservadas e transmitidas como memórias-hábito, que se iniciam em família, funcionando como a primeira instância de identidade, sem nunca desaparecer e representa um passado incorporado, sempre reactivada, mesmo quando se lhe seguem outras (religiosas, políticas, etc.).

Nesse sentido, nas cerimónias comemorativas, uma comunidade recorda a sua identidade, representando-a e contando-a numa meta narrativa, o culto encenado do ritual, uma variante colectiva da memória pessoal, ou seja, a atribuição de sentido ao passado como uma espécie de autobiografia colectiva transmitida e conservada por performances rituais, devendo os que nela participam estar habituados às mesmas, facto que transparece no substrato corporal da representação (a cerimónia comemorativa revela a corporalidade que constituí o seu substrato). Deste modo, as cerimónias são comemorativas na medida em que são performativas, embora altamente representativas, logo, se a memória performativa é corporal, a memória social também o é, sendo o corpo socialmente constituído e culturalmente modelado nas suas práticas e comportamentos concretos.

Depreende-se, pois, que as realidades identitárias são produtos dinâmicos, resultantes de uma enorme constelação de forças internas e externas, actuando relativamente aos grupos sociais, onde o grande problema metodológico e operatório com que os agentes do desenvolvimento se debatem, reside em encontrar os princípios unificadores que permitam assimilar as transfor­mações técnico-económicas nos quadros de referência já socializados, assim como adaptar estes referentes culturais às inovações económicas.

A memória coloca-se, também, no eixo da questão da procura da Identidade Nacional através do passado, porque, aludindo a um conjunto de produções, revela a especificidade própria do sistema cultural de um determinado país. A rememoração funciona, então, como um meio de preservação de um arquivo da história de um povo, contribuindo activamente para a consolidação da sua identidade.

Deste modo, reavivar a memória colectiva presente no património, como depositário do passado, significa mergulhar na exaltação dos valores colectivos caracterizadores do sentimento de nacionalidade, levando as comunidades humanas a agregarem-se em nações, alimentando as sensibilidades que conduzem a essa consciência interiorizada da diferença e conduzindo à organização política e cultural do Estado-Nação, como será o caso de Cabo Verde.

Dado que o património alimenta a memória dos povos, esta encontra-se sujeita a técnicas de fixação e retenção nas quais intervêm elementos simbolicamente representados na herança cultural, pelo que preservar e dinamizar o património cultural de um grupo é, sobretudo, uma forma de desenvolver a sua cidadania, transportando em si a memória dos seus testemunhos representantativos, numa fusão onde a identidade se refere à filiação do indivíduo na família e/ou no grupo de pertença[lviii].

O património cultural assume, deste modo, uma importância vital face à necessidade que as sociedades têm de preservar a sua memória colectiva, parte integrante da respectiva identidade, sendo os bens culturais reveladores das suas raízes, da formação social e da evolução de uma comunidade ao longo do tempo, na medida em que encerram em si as “memórias de feitos colectivos, de modos de vida e de relação social, de uso do solo e de transformação da paisagem, de apreensão da natureza, do transcendente ou da morte; guardam e reinterpretam representações identitárias, imagens sucessivas que ao longo da história essa comunidade foi representando para si mesma e para os outros, resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação a que, em cada momento e também no presente, se chama identidade cultural. O que será a identidade cultural, senão o produto num dado momento tão fugaz como os momentos que o precederam, da dialética entre tradição e mudança, herdado e criado, passado e presente?[lix].

A acção catalisante das sociedades e sua renovação constante implicam uma reorganização territorial, baseada em imperativos de funcionalidade. Daí a busca da novidade – o olhar para o futuro – condicionar o entendimento do passado, porque as antigas estruturas (conducentes com realidades passadas) constituem um obstáculo para o projecto da modernidade, perdendo, igualmente, importância a tradição e memória do passado.

Ora, ao seleccionar objectos, como resposta à necessidade social de conservar os vestígios materiais do passado, estes “testemunhos-memórias” revelam o valor que uma sociedade lhes atribui em dado momento. Deixar tais heranças às gerações seguintes é um processo complexo em que mais do que transmitir um passado, se constitui numa memória partilhada pelos membros de um grupo social ou de uma comunidade.

Mostra-se essencial reconhecer os atributos socialmente valorizados na panorâmica tradicional como “fio rastreador” de um passado e que se revela na identidade social como meio de diferenciação dos grupos, motivo pelo qual “o passado não é, pois, uma questão de memórias evanescentes e de sentimentos supérfluos, é uma construção cultural pragmática”[lx], resultante do processo de formalização e ritualização (caracterizados pela repetição) onde se entende que “as tradições ditadas pelo costume são processos sociais alteráveis e que sobrevivem através de formas e adaptação diversas”[lxi].

Refira-se que esse “carácter dinâmico” também se relaciona com o facto de o mesmo se encontrar em contínua evolução, sendo os seus elementos alterados ao longo do tempo, através da perda do significado, em função de uns aspectos e a afirmação de outros ou, ainda, o seu desaparecimento, ficando apenas um rasto da memória na história, nos objectos ou nos lugares que a adoptaram. Também podemos tomar o conjunto das tradições de um povo como o resultado dos factos históricos e sociais vividos pela comunidade e por ela assimilados, que distinguem colectivamente o grupo, identificando-o pela sua especificidade e genuinidade. Efectivamente, verifica-se que a tradição surge como o resultado da relação de aprendizagem do Homem com a alteridade, assim como consigo próprio ou com o passado e o tempo presente.

As tradições são o resultado de heranças transmitidas de uma geração para outra, numa passagem de testemunhos que materializa a relação do homem com o território e entendidas como reflexo do processo de territorialização e sociabilização.

Concretamente, a tradição poderá ser definida como uma fonte de conhecimento colectivo, étnico e cultural, traduzido por um conjunto de representações tangiveis ou não, que relacionam espaço/sujeito, comunidade/sujeito e sujeito/sujeito, implicando por sua vez regras de adaptação e inovação, que obrigam à manutenção de princípios gerais que balizam os seus pressupostos e preceitos.

De facto, aquilo que designamos correntemente por tradição, remete para muitos aspectos distintos da estrutura da organização social, do comportamento e das crenças individuais ou dos símbolos culturais (como sejam os diversos tipos de organização dos grupos e suas funções), “saberes” que influenciam quotidianamente o modo como o grupo enfrenta os seus problemas, persistindo sobre as mudanças históricas, estruturais e organizacionais, devido à sua flexibilidade e abrangência.

Sintetizando, entenda-se, em primeiro lugar, tradição como reflexo da identidade local, dado essencial da memória colectiva da população e, em segundo lugar, a razão da participação, ser determinante no âmbito destes projectos de desenvolvimento devido à mobilização dos recursos naturais, à legitimação e recuperação das técnicas de transformação e à motivação que estes suscitam.

Tanto “formação” como “narração” resumem o significado de tradição, sugerindo uma transferência de conhecimentos. Ao analisar-se o seu carácter dinâmico, comparável a uma fórmula eficaz para o transporte de princípios, saberes e crenças aceites colectivamente, evidencia-se a existência de tradições que funcionam como uma mais-valia para a preservação da identidade e do passado cultural.

Para que exista essa identidade colectiva e se prolongue no tempo, é necessário promover atitudes empreendedoras que exijam um envolvimento constante e criativo com a cultura local, ou seja, acções formuladas ou formadoras de tradições, às quais cabe a tarefa de divulgar saberes capazes de se representarem sob a forma de legados culturais. É nessa capacidade de tradução/expressão de ideias, ou no modo como se sintetizam criativamente (através de símbolos e metáforas) que reside a sua validade e, portanto, a importância da sua dinâmica.

Em consequência de rupturas (técnicas, económicas, sociais, etc.) que levaram ao abandono de uma série de artefactos, actualmente, deu-se um retorno na valorização do “objecto antigo”, não produzido mas criado, que incorpora em si marcas de uma época, região ou cultura. Por pertencerem a uma ordem diferente do utilitário, funcionam como testemunho, memória, nostalgia, evocação, em oposição ao objecto moderno que é funcional, repetido e uniforme (estandartizado).

Assim, são conservados para satisfazerem funções modernas de distinção e diferenciação social, podendo dizer-se, que “os objectos antigos transportam o passado para o presente, mas quem os contempla é transportado do presente para o passado (...) 0 objecto antigo arrancado do seu contexto social, temporal e, por vezes geográfico, mais que verdadeiro ou falso, é lenda e mito, evoca as origens e a ancestralidade, também míticos, de quem os contempla”[lxii], nascendo da reinvenção e reactualização do passado através do objecto de memória.

Esta questão interliga-se com o debate que Choay lança sobre o entendimento do património como espelho de si próprio, nomeadamente a noção da sua autocontemplação passiva e consequente perda do valor de memória afectiva, noção centrada numa relação de narcisismo das sociedades actuais perante o passado. A necessidade de refúgio, face às rápidas transformações do mundo contemporâneo constitui um dos motivos que levam à intensificação do olhar sobre o passado e interesse pela tradição, acrescentando que o desenvolvimento de novas realidades tecnológicas levou, de modo geral, a uma desumanização caracterizada pela perda da relação com as raízes e uma maior artificialidade. Por sua vez, a globalização da cultura intervém nesta necessidade de ultrapassar o novo estatuto do objecto, aproximando os povos e, paralelamente, diluindo as diferenças, o que implica uma necessária recorrência às raízes. Perante isso, “a memória dos outros, inventando, criando um imaginário que os equilibra face ao desenraizamento que sofrem. Um olhar para o outro civilizacional com tolerância passa por estudar a sua cultura, os seus hábitos, costumes e mesmo a maneira como explica o mundo que o rodeia. A prepotência de querer ocidentalizar tudo e todos, como se fossemos uma massa sem nome, sem cor, sem história, provoca a massificação da memória e a invenção das tradições”[lxiii].

Há uns anos, algumas reflexões interpretavam e definiam o perfil identitário de uma etnia, ou de um agrupamento territorial (regional ou local), apoiando-se na dicotomia tradição/modernidade. Assim, uma sociedade era tanto mais diferente/idêntica culturalmente, quanto menos moderna fosse “economicamente”, pois a perda de identidade era proporcional à proximidade do progresso. Também para certos cientistas sociais e, em particular, economistas, tanto as tradições, como a questão das identidades e das diferenças representavam um obstáculo ao desenvolvimento, sendo a palavra de ordem baseada na tradição e subdesenvolvimento ou modernidade e desenvolvimento.

Pelo seu lado, Durkheim através da distinção opositiva e diacrónica entre uma solidariedade mecânica de relações de semelhança (atribuída a uma sociedade ‘tradicional’) e uma solidariedade orgânica de relações de complementaridade funcional (atribuída a uma sociedade ‘moderna’), também não se deu conta que as duas solidariedades são recorrentes num mesmo processo. Actualmente, a solidariedade mecânica de massa, em que o eu se assemelha cada vez mais aos outros, desenvolve-se lado a lado com a solidariedade orgânica de relações complementares e funcionais imposta pela divisão do trabalho[lxiv].

Presentemente, tradição e modernidade deixaram de ser consideradas etapas históricas da emancipação do sujeito e passaram a ser vistas como modalidades distintas da experiência humana coexistentes no mesmo espaço e época. Esta viragem resulta das consequências provocadas pelos processos de modernização sobre o meio ambiente e o sujeito (tais como o stress e condições infra-humanas da vida nas grandes cidades, o esgotamento dos recursos naturais, os atentados contra o meio ambiente, as novas formas de imposição de escolhas aos sujeitos alheios à sua livre decisão através de processos mediáticos e instrumentais de sedução, que funcionam como forma de coacção do cidadão), que constituíram elementos contraditórios face aos ideais de emancipação do ser humano e acabaram por desencadear alterações na forma como é encarado esse binómio.

Se por um lado, a modernidade surge como um rompimento relativamente aos modelos da tradição, por outro, sofre rupturas ao fim de certo tempo, tornando-se, também, em modelo tradicional. Por isso, a modernidade tem uma natureza efémera, caracteriza-se por “modas”, pois parece ligar-se a um processo anulador. Daí a necessidade de se manter uma referência constante à tradição, pelo facto de os modelos mais recentes fazerem do moderno um ideal ambivalente, marcado pela necessidade da sua constante ultrapassagem pelos valores e normas. Sendo “por isso que a tradição e a modernidade duas faces de uma mesma moeda, (...) moderno é tudo o que se demarca em relação àquilo que permanece como tradicional, tal como tradicional é tudo o que se demarca em relação àquilo que se apresenta como moderno”[lxv].

Devido a tudo isso, a tradição desempenha um papel importante na actualidade, por dar “sentido ao novo, ao inesperado, à mudança, ajudando à sua integração social e cultural, sem rupturas ou justaposições. A tradição pode e deve ser pensada como reserva de símbolos e códigos para dar sentido à modernidade”[lxvi]. Permite, também, às sociedades assumir os novos contextos, interpretando o presente e programando o futuro através de um projecto social e cultural coerente com os novos desafios da técnica e da uniformização económica dominante. O facto de, actualmente, se reivindicar a multiplicidade de culturas, a afirmação das diversidades culturais e identitárias é sinal de que a visão do progresso que transforma os “outros” no “mesmo”, ou seja, num “ser sem cultura e sem identidade”, se dissolve.

Motivo pelo qual o conceito de mudança reveste-se de extrema dificuldade e complexidade, porque “a mudança é eterna, eis a crença básica que define o mundo moderno. Que nada muda nunca, é o lamento recorrente de todos quantos se acham desenganados do chamado progresso dos tempos modernos”[lxvii], pelo que as conclusões a retirar parecem depender dos períodos tomados em consideração. Se, por um lado, considerar espaços temporais relativamente curtos pode, de alguma forma, constituir a melhor maneira de captar a verdadeira extensão da mudança social, quando esta é acentuada, por outro lado, o estudo baseado num período de tempo mais alongado, as mudanças afiguram-se, certamente, mais marcantes.

Assim, “social change is the significant alteration of social structures (that is, of pattems of social action and interaction), including consequences and manifestations of such structures embodied in norms (rules of conduct), values, and cultural products and symbols”[lxviii]. Torna-se perceptível que, para uma boa compreensão do fenómeno da mudança, antes de mais, é necessário conhecer toda uma multiplicidade de princípios relacionados com as regularidades estruturais e, evidentemente, com as alterações verificadas.

Deste modo, “o que mobiliza um indivíduo no sentido da mudança, resulta de interacções entre elementos especificamente psíquicos e as características sociais da sua situação (...) Todas as mudanças accionam mecanismos de adaptação, factor importante que nos informa sobre o modo como os indivíduos captam e assimilam a mudança através do controlo que podem exercer sobre ela”[lxix]. Sabendo-se que a realidade nunca é homogénea, quando é “apanhada” por uma dada mudança determina a sua evolução e a sua dinâmica em função dos seus componentes anteriores, que podem entrar mais ou menos em conflito com as novas orientações preconizadas. Ainda de acordo com este autor, os estudos sobre a mudança social explicaram-na através de factores endógenos e exógenos, englobando o domínio dos valores ou das preferências colectivas que, em determinada sociedade, legitimam ou desclassificam uma conduta específica. Desta forma, os sistemas de valores condicionam a mudança, tanto no sentido de uma estabilização e integração na ordem social ou como entrave e/ou impedimento. No que toca aos factores exógenos, estes comportam elementos perturbadores que obrigam os grupos e as instituições a uma elaboração de novas respostas de adaptação. No entanto, tanto uns como os outros, não constituem entidades verdadeiramente separadas, porque “toda a mudança é determinada por factores de tipo exógeno-endógeno”[lxx].

Daí se conclui, que a mudança se apresenta de difícil delimitação, por ser variável nas suas componentes, surgindo como uma combinação de diversos acontecimentos que orientam a evolução dos indivíduos, grupos e sociedades. Destacam-se, assim, vários elementos que podem explicar a mudança, nomeadamente os factores pessoais (todos os que intervêm a nível individual), os factores situacionais (intervêm ao longo da vida), os factores socioculturais (correspondem às influências culturais), os factores técnico-económicos e os sociais.

Por sua vez, Guy Rocher entende a mudança social como um fenómeno colectivo por implicar uma colectividade ou um sector apreciável da mesma e afectar as condições, as formas de vida, bem como o universo mental de alguns indivíduos[lxxi]. Tudo isso significa alterações estruturais, que se observam nas componentes da organização social, supondo-se a possibilidade da sua identificação no tempo, num processo que só poderá ser apreciado relativamente a um ponto de referência no passado, a partir do qual se reconhecerá (ou não) a existência de mudança (o que mudou e o quê).

Para tal, é necessário fazer uma análise atenta, pois a mudança social é “toda a transformação observável no tempo, que afecta, duma maneira que não seja provisória ou efémera, a estrutura ou o funcionamento da organização social duma dada colectividade e modifica o curso da sua história (...) É mudança de estrutura resultante da acção histórica de certos actores ou de certos grupos no seio duma dada colectividade”[lxxii].

Sublinhe-se, que são factores de mudança elementos que, pelo simples facto de existirem ou pela acção que exercem, provocam uma transformação, enquanto as condições de mudança os influenciam favorável ou desfavoravelmente, podendo observar-se uma complementaridade[lxxiii]. Por seu turno, os agentes da mudança são as pessoas (ou os grupos) que tanto favorecem a mudança, como se lhe opõem, podendo incidir sobre o ritmo ou sobre o conteúdo da mudança.

Convém, pois, reconhecer que a tradição dá sentido ao novo, ao inesperado e à mudança, facilitando a integração social e cultural, sem rupturas ou justaposições, motivo pelo qual deve ser encarada, como reserva de símbolos e códigos de significação. Permite, também, às sociedades assumir novos contextos, sem alienações nem inibições, interpretando o presente e programando o futuro, partindo de um projecto coerente com os desafios da técnica e da uniformização económica dominante.

Ao evocar-se a tradição no mesmo registo temático do desenvolvimento, é frequente pressupor contradições ou oposições entre os dois termos e respectivos conteúdos, identificando a primeira com atraso, ignorância e subdesenvolvimento. De facto, reconhecemos que em torno da tríade de conceitos de tradição, identidade e desenvolvimento, se tecem as mais díspares concepções, combinando teorias, interesses e políticas.

Importa, também, evidenciar a relação desse conceito com os de cultura e património, porque a tradição é em si um bem patrimonial, caracterizando a cultura que a engloba e fundamenta. Assim, o conjunto tradição, património e cultura deverá ser entendido como um todo por agentes activos que intervêm no processo de transformação histórica e económica do território, sendo de interesse verificar que a reunião destes três significantes estrutura o conceito de memória e identidade.

A legitimidade da defesa deste conjunto é um assunto debatido no contexto do desenvolvimento local, facto que justifica o empenho real das populações na preservação da sua identidade e, consequentemente, das suas tradições. É fácil de constatar que, quanto maior for o envolvimento das populações nos projectos de desenvolvimento local, maiores são as probabilidades de atingir o equilíbrio entre o progresso e a preservação da tradição, do património e da cultura pois só o envolvimento consciencializado garante que qualquer acção sobre o território, a cultura oral ou material ou as actividades económicas e tradicionais de uma comunidade tenha um resultado positivo e dignificante.

Donde se infere que o património, enquanto memória colectiva, entendido num contexto global das tradições e da cultura, não poderá ser negligenciado, sendo os seus conteúdos as bases de qualquer programa de desenvolvimento local. Deste modo vingam os projectos que procurem o equilíbrio entre a associação de património, cultura e tradição, sem esquecer que o entendimento destes valores é o caminho mais indicado para a compreensão da comunidade/território como um todo (passado, presente e futuro).

Ao propor-se a fórmula conjunta do desenvolvimento e da cultura, entende-se que todos os aspectos (desde os mais refractários, à mudança, até aos mais dinâmicos) devem ser objecto directo, indirecto ou induzido do desenvolvimento, num pressuposto de que a cultura e a sociedade se inserem no tempo e estão comprometidas na corrente da história, sofrendo os mesmos impulsos, desgastes e contradições. Recordemos que a cultura é memória e projecto, produto e factor, matriz e fim, visto situar-se atrás e à frente do desenvolvimento, envolvendo-o e sendo por ele desenvolvida.

Todavia, para alimentar uma cultura identitária, os seus elementos não deverão entender-se apenas como produtos a pre­servar (tais como línguas, território, paisagens, saberes, crenças e tradições), pois são também projectos a dinamizar. Exemplo concreto do espaço rural, que apresenta uma grande diversidade de realidades, com valor cultural e natural, onde se ausculta a herança colectiva da comunidade, onde o diálogo entre o passado e o presente continua vivo e de uma forma consistente pela tradição que se gerou. Estes valores culturais rurais constitutivos do património tradicional ainda estão presentes, cumprindo salvaguardá-los e evitar que percam o seu valor de uso ou se tornem em inanimadas peças de museu.

     A paisagem rural resultou do equilíbrio harmonioso entre a natureza e o homem, onde a população consubstanciou a sua memória colectiva através de manifestações arquitectónicas, artísticas, etnográficas, arqueológicas e históricas. Assim, cada meio rural tem os seus símbolos que estão bem protegidos como parte integrante da sua memória, das raízes culturais que os une e os individualiza. Os templos ou capelas no espaço rural são alvo de respeito e de admiração por parte dos que aí se deslocam em actos de devoção, contribuindo a sua participação para que o património construído e artístico, desses imóveis, deva ser salvaguardado.

Lamentavelmente, nem sempre os projectos de desenvolvimento são pensados e elaborados a partir de uma realidade local, tendo em conta a sua história, recursos humanos e naturais, posição que “não é, apenas, do sistema administrativo, do controlo central, da colonização por agentes públicos ou privados, vindos do exterior; com frequência são os autóctones, os que vivem de costas para a sua própria realidade de origem, pensando o futuro por assimilação a outras terras e modelos, que se reputam, acriticamente «desenvolvidos»: a cidade face ao campo, o litoral face ao interior, o estrangeiro face ao português”[lxxiv]. Saliente-se que o desvio não está na presença dinâmica de outros universos e traços culturais vindos do exterior, consistindo antes a estruturação e encaminhamento dos processos que conduzem à “exclusão ou sobreposição” em vez de integração orgânica.

Por tal motivo, é também preocupante o facto da pseudo genuinidade poder dar lugar ao exotismo para servir os que buscam encontrar em certo turismo cultural determinadas sensações, visto a partir daqui “o valor folklorico se otorga autonomia de la ideia de tradicion, permite ser autojustification descontextualizada en un âmbito social determinado, y com ello possibilita tambien su reificacion”[lxxv]. Por se tratar de um ‘espectáculo’ praticamente montado e encenado num espaço de actuação diferente do tradicional, Perez considera, que “el folklorismo es un fenómeno sociocultural muy vivo, que oferece distintos matices según se manifeste através de diferentes actores, se corresponda a diferentes motivaciones, persiga unos objectivos determinados, y nobre todo también en funcón de los diferentes elementos ideacionales que vaya assimilando según un punto espacio-temporal concreto”[lxxvi].

Cite-se, a título exemplificativo no caso de Cabo Verde, algumas tradições praticamente em desuso, devido às restrições impostas pelo regime colonial, que depois das tentativas da sua reanimação no pós-independência, são mostradas no género “espectáculoo”, recriadas com o intuito de satisfazer os interesses diferentes dos originais (ritual, comemorativo) ao passarem para o palco, assim como alguns que se servem dessas actividade tradicionais para exibir como elementos identitários da cultura, numa recriação “folclórica” de algo que é apresentado como veiculando a genuína tradição local. De entre outras tradições cabo-verdianas, que se reproduziram com intuitos e práticas tendentes a uma possível reafirmação dos valores socioculturais, estão a tabanca ou o batuque, que actualmente em Cabo Verde saltou do terreiro para o palco e ao alterar o seu sentido de ritual simbólico, para se tornar no simples pormenor lúdico, mas numa uma espécie de pseudo-reconstrução da tradição, ou antes, “une extension fantastique de la substance social (…), conscience collective que se retrove sublimée dans sa prope substance théatralisée”[lxxvii], aspectos que embora fazendo parte do imaginário colectivo, foram aproveitados para a reconstrução teatralizada e, por isso, perderam bastante do seu significado inicial.

Assim, eelementos pertencentes a um passado repleto de tradições, são alterados a partir do “distanciamento acentuado em relação aos pormenores concretos de vida quotidiana”[lxxviii], relacionados com as restrições impostas durante o período colonial, agora recriados e acrescidos das influências do impacto dos média, que facilitando contactos com outras culturas, levam a que muitos traços acabem por integrar os quotidianos locais, na medida em que “as tradições inventadas têm funções políticas e sociais importantes e não poderiam ter nascido, nem se firmado se não as pudessem adquirir”[lxxix] ou se não tiverem como veículos de implantação interesses que preparam os ambientes que as acolhem.

Encarar a vertente do património como contendo em si potencialidades geradoras de desenvolvimento, consiste em combinar os valores patrimoniais (na acepção mais alargada do termo) com o desenvolvimento num contexto sustentável e integrado, conjugando-se as capacidades locais com os recursos exógenos, numa aliança ao serviço do progresso.

Entendemos, neste caso, o desenvolvimento como uma conquista de níveis satisfatórios de bem-estar, com o objectivo de contribuir de modo decisivo para a uma articulação com a valorização da memória social e identidade cultural, reabilitando o património (criando empregos, por exemplo, através da implementação do artesanato, indústria do turismo cultural, restauração tradicional, criação de museus, entre outros), olhando a herança cultural como uma mais-valia nacional, pois, “a ideia da defesa e salvaguarda do património cultural radica na convicção, cada vez mais alargada e generalizada, de que a manutenção das expressões do passado histórico é um dos mais relevantes factores de continuidade na construção da memória colectiva dos povos, concorrendo para a definição e fixação da identidade social e cultural”[lxxx].

De facto, “a história do progresso humano é, em muito, a história das relações do homem com o meio ambiente onde vive, com os materiais que encontrou e dominou para conquistar a sua sobrevivência e melhorar as suas condições de existir e de trabalhar. Através da sua história, o nosso povo desenvolveu modos próprios de estar na vida, de observar a realidade e de pensar acerca dela, de representar o que sente, o que admira, o que anseia. De glorificar aquilo em que acredita, de expandir as suas satisfações individuais ou as da sua comunidade. Criou, assim e continua a criar, obras que constituem um património e uma herança que importa estudar, proteger e divulgar. Memória cultural feita de aldeias e de campos, de paisagens e de versos, de teatradas, brinquedos, música, tecido e alfaias; um mundo de linguagem e objectos”[lxxxi].

A defesa e conservação do património correspondem à preservação e salvaguarda de um grupo que se identifica com esses mesmos elementos, pelo que a noção de património, enquanto memória disponível e intangível implica que a sua defesa, preservação e recuperação físicas têm de combinar-se com o seu estudo, divulgação e adaptação social. Daí que a gestão de uma política do património não deva limitar-se à conservação e à defesa do passado, mas, também, aceitar e estimular as vivências do presente, tendo em perspectiva situações futuras, pois este, tal como as memórias passadas, atraem os seres humanos que aí buscam as suas origens identitárias.

Enquanto conhecimento do passado, a história não teria sido possível, se não tivesse testemunhos, ou melhor, suportes de memória colectiva. Assim, um povo com uma memória rica como é o caso de Cabo Verde, em que a preservação da sua identidade (tradições, costumes, etc.) não são salvaguardados, os perigos de massificação são cada vez mais consequentes, pois esta herança cultural é a melhor riqueza na afirmação da identidade, pelo que o objectivo central da recuperação é a divulgação desse imaginário, favorecendo-o em novas aplicações e relações vivenciais, tornando-o capaz de construir novas memórias para o futuro.

           Nesse sentido, o património é uma herança que merece ser estudada e interpretada correctamente, sendo necessário não só defendê-la, como também preservá-la como também promover a sua valorização, porque “ é preciso ter em conta que património cultural é também aquilo que se produz e cria agora. De modo que uma política do património não deve limitar-se a conservar o passado: Deve permitir e incentivar a expressão do presente e a abertura ao futuro”[lxxxii].

           Acontece, todavia, que apesar de todas essas pressões saturantes e “ofertas” apelativas, principalmente para a juventude local, transportadas pelos ventos do exterior agredindo persistentemente a nossa sociocultural, conforta constatar que as nossas rizes mais profundas estão a resistir e agigantando a nossa identidade cultural.


      Por isso, não será demais debruçar sobre a temática da memória colectiva num diálogo aberto aos diversos campos das Ciências Sociais e dentro de parâmetros que possam ser actuantes na contemporaneidade, a partir do equilíbrio e duma interdisciplinaridade que abarque todas as vertentes da sociedade, no sentido de acordar os processos mais apropriados para atingir os objectivos desejados.  


Daqui se conclui que “a preservação do património é algo intrínseco à nossa própria identidade enquanto seres portadores, que somos, de uma herança, espécie de código genético constituído não só por cromossomas, mas pelo acumular de signos e referências no ambiente que nos envolve. É essa predisposição que nos leva a guardar os objectos da nossa memória, sejam eles simples fotos, recordações de infância, ou outros, a querermos saber quem somos através daquilo que está ligado ao nosso passado e que, de alguma forma, constituem atributos daquilo que fomos e daquilo que somos, e do percurso que efectuámos (…) O que se passa em relação a nós, enquanto seres individuais, passa-se também enquanto seres colectivos e enquanto sociedades. A nossa identidade social, a nosso memória colectiva, carece dos testemunhos do passado para se constituir, para estabelecer os elos de ligação com esse mesmo passado, para dar um sentido ao presente. Perdendo-se os elos, perde-se o significado, perde-se a identidade. Daí a importância da preservação do património, o que, contudo, não é uma questão pacífica”[lxxxiii].

Mostra-se, portanto, aconselhável impulsionar a revitalização do nosso Património (Natural, Material e Intangível), preservando os traços de Identidade Cultural, através de uma dinamização das práticas tradicionais com todo o seu forte simbolismo e tendo em conta as relações com as respectivas memórias, herança que se pretende transferir para os tempos vindouros numa relação harmoniosa entre a tradição e a modernidade.





* Poeta brasileiro, Prémio Camões 2010, in Em Alguma Parte Alguma, Lisboa, Ulisseia, 2010.

[i] LE GOFF, Jacques - “Memória”, in Enciclopédia Einaudi – Memoria. História, Vol.1, Lisboa, INCM, 1985, p.46.

[ii] HALBWACHS, Maurice – Les Cadres Sociaux de la Mémoire, Paris, Bibliothèque de l’Évolution de l’Humanité, 1994 (1925).

[iii] HALBWACHS, Maurice – La Mémoire Collective, Paris, PUF, 1994 (1950).

[iv] LEROI-GOURHAN, em Le Geste et Ia Parole (1965), faz uma distinção entre memória específica (inscrita nos encadeamentos de actos, que define a fixação dos comportamentos da memória), étnica (assegura a reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas), artificial (assegura a reprodução de actos mecânicos, não recorre ao instinto ou à reflexão mas à electrónica), enquadrando a memória colectiva na organização maquinal da memória, que inclui os gestos mais banais ou práticas elementares que asseguram a sobrevivência do indivíduo (a alimentação, a higiene, os hábitos profissionais e de relacionamento social), refere-se, também à constante aquisição de memória ou as “mnemotécnicas”, (ou seja, os diversos sistemas de educação da memória pertencentes às diferentes épocas e sociedades, tão importante nas primeiras etapas da vida).

[v] HALBWACHS, Maurice – Op. Cit.

[vi] CONNERTON, Paul – Como as Sociedades Recordam, 2.ª ed., Oeiras, Celta, 1999, p.44.

[vii] David Lowenthal refere, também, que “we are continually made aware not only for our own previous thoughts and actions, but of other people’s, wheter directly witnessed or learned about at second hand”, LOWENTHAL, David - The Past is a Foreign Country, Cambridge, Cambridge University Press, 1985, p.186.

[viii] HALBWACHS, Maurice – Op. Cit., pp. 12-13.

[ix] HALBWACHS, Maurice – Op. Cit., p.36.

[x] HALBWACHS, Maurice – Op. Cit., p.75.

[xi] No entanto, também há lembranças que reaparecem sem ser possível relacioná-las com um grupo, porque o acontecimento que as produziu foi percepcionado quando estávamos sós, logo, a imagem não se repõe no pensamento de nenhum conjunto de indivíduos. Porém, segundo o autor, factos deste género são muito raros.

[xii] GONÇALVES, A. Custódio – Questões de Antropologia Social e Cultural, Porto, Edição Afrontamento, 1997, p.127.

[xiii] GONÇALVES, A. Custódio – Op. Cit.

[xiv] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris – Memória Social, Lisboa, Teorema, 1992, p.20.

[xv] J. Davis refere que “people everywhere think about the past and what they plan for the future is related to that understanding”, DAVIS, J. - “Social Creativity”, in Hann, C. (ed.), When History Accelerates – Essays on the Rapid Social Change, Complexity, and Creativity, London, The Athlone Press, 1994, p.100.

[xvi] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris - Op. Cit., p.70.

[xvii] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris - Op. Cit., p.78.

[xviii] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris - Op. Cit., p.95.

[xix] Relativamente a esta questão, refira-se, que “(…) anthropologists must pay more attention to the multiple ways in which the past is understood and presented by the people they study”, HAAN, Chris - “Fast Forward: The Transformation Globalized”, p.6.

[xx] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris - Op. Cit., p.242.

[xxi] CONNERTON, Paul – Op. Cit.

[xxii] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris - Op. Cit., p.39.

[xxiii] GONÇALVES, A. Custódio – Op. Cit., p.128.

[xxiv] GONÇALVES, A. Custódio – Op. Cit., pp.128.129

[xxv] GONÇALVES, A. Custódio – Op. Cit., p.129.

[xxvi] HALBWACHS, Maurice - Op. Cit., pp.166-167.

[xxvii] CERTEAU – p.173.

[xxviii] AUGÉ, Marc, 1994, P.63.

[xxix] LOPES FILHO, João – “Construção da História de Cabo Verde”, in Islenha n.º15, Jul-Dez. 1994.

[xxx] FORTUNA, C. – Cidade, Cultura e Globalização, Oeiras, Celta, 1997, p.137.

[xxxi] NORA, Pierre – Op. Cit.

[xxxii] CHOY, Françoise – A Alegoria do Património, Lisboa, Edições 70, 1999.

 





[xxxiii] MOHEN propõe-nos um quadro do fenómeno cultural apresentando os principais conceitos por ordem (de cima para baixo) de crescimento de selecção dos critérios culturais (Les Sciences du Patrimoine, 1999):

 

« Tableau du phénomene culturel présentant les principaux concepts par ordre (de haut en bas) de croissance de sélection des critères culturels »

VOCABULAIRE

APPROCHE

TEMPS

GÉOGRAPHIE

MATÉRIALITÉ

culture

philosophique

long

terre

tout culturel

héritage culturel

anthropologique

long

terre

biens culturels

civilisation

historique

court

aire

patrimoine mondial

patrimoine

nationale

court

nation

trésors nationaux

lieu de mémoire

régionale

court

territoire

monument historique





lieu habité par l'esprit


[xxxiv] HERNANDEZ y HERNANDEZ, Francisca – “La Nueva Museologia y el Património Etnográfico”, in Identidade y Fronteiras Culturales: Antropologie y Museistica – Actas do II Congresso Historia de la Antropologia, Espanha, Badajoz, 1996.

[xxxv] OSÓRIO, Maria Isabel Noronha Azevedo Pinto – “Património e Cidade: Do Centro Histórico aos Lugares de Memória”, in III Encontro Nacional de Municípios com Centro Histórico, Vol.2, Viana do Castelo, Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1995, p.321.

[xxxvi] LE GOFF, Jacques – Op. Cit.

[xxxvii] MOREIRA, Isabel M. Martins – Museus e Documentos em Portugal: 1772 – 1974, Lisboa, Universidade Aberta, 1989, p.19.

[xxxviii] AGREN, Per Uno – “Museus, Educação e Política Cultural”, in I Encontro sobre Museologia e Educação, Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1995, p.15.

[xxxix] AGREN, Per Uno – Op. Cit., p.17.

[xl] MAILLAURI-PONTOIS, Maria Teresa – “Industrial Ecomuseums and How they Deal with Industrial Heritage”, in 1.º Encontro Internacional sobre Património Industrial e sua Museologia, Lisboa, Museu da Água da EPAL, 1999, p.106.

[xli] MATTOSO, José – “O Património. Breve Resenha Histórica”, in Patrimonium, n.º1, Lisboa, D.G.P., Junho de 1997.

[xlii] PEREIRA, Arnaldo António – “Municípios e Património Histórico. A Experiência da Câmara Municipal de Oeiras”, in III Encontro Nacional de Municípios com Centro Histórico, Vol.2, Viana do Castelo, Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1995, p.236.

[xliii] FERREIRA, Ana Margarida Serra – “Porquê Conservar o Património Cultural? Um Percurso pelas Relações entre Memória, Identidade e Desenvolvimento”, in Actas do IV Encontro Nacional de Museologia e Autarquias 29-31 Out. 1993, Tondela, Câmara Municipal de Tondela, 1999.

[xliv] Idem, Ibidem.

[xlv] CARVALHO, Alberto – “Emergência do Discurso da Agressividade na Poesia Caboverdiana”, in Les Litteratures Africaine de Langue Portuguese: A la Recherche de l’Identité Individuelle et Nacionale, Paris, Fundação C. Gulbenkian, 1985, p.216.

[xlvi] LOPES, Ana Cristina Macário – “Literatura Culta e Literatura Tradicional de Transmissão Oral”, in Cadernos de Literatura, n.º11, Coimbra, Centro de Literatura Portuguesa, 1983, p.54.

[xlvii] “Memória” – in Enciclopédia Einaudi – Memória. História, Vol.1, Lisboa, INCM, 1984.

[xlviii] PEREZ, Jean-Marie – “A História da Cultura Material”, in Le Goff, Jacques, Chartier, R, e Devel, J. (orgs.), A Nova História, Coimbra, Almedina, 1990, p.136.

[xlix] VIDIGAL, Luís – “Museologia da Infância e da Educação”, in Boletim Informativo da Associação Portuguesa de Museus, III Série, ½, 2000.

[l] “Artes e Ofícios – Profissões de Futuro”, Workshop orientado pela Dr.ª Ana Pires e Dr. Delfim Santos – Relatório de Ana Pires, in I Simpósio Artes e Ofícios dos Açores – 22-24 Março, S.Miguel, Centro Regional de Apoio ao Artesanato, 2000, p.126.

[li] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris – Op. Cit.

[lii] FENTRESS, James e WICKHAM, Chris – Op. Cit.

[liii] GONÇALVES, A. Custódio – Op. Cit., p.128.

[liv] ARTHUR, Maria José – “Cidadania e Direito à Diferença”, in V Encontro de Museus de países e Comunidades de Língua Portuguesa, Maputo, ICOM, 2001.

[lv] LÉVI-STRAUSS, C. – Séminaire sur l’Identité, Paris, PUF, 1974, pp.81-82.

[lvi] CONNERTON, Paul – Op. Cit.

[lvii] MAUSS, Marcel – « Les Techniques du Corps », in  Sociologie et Anthropologie, 1936.

[lviii] AUGÉ, Marc – “Les Paradoxes du Patrimoine”, in Territoires de la Memoire, citado pelo Centro de Documentação do Ecomuseu do Seixal, s/l, s/d.

[lix] SERRA, Ana Margarida – “Porquê Conservar o Património? Um Percurso das Relações entre Memória, Identidade e Desenvolvimento”, in Actas do IV Encontro Nacional de Museologia e Autarquias, Tondela, Câmara Municipal de Tondela, 1999.

[lx] MONTEIRO, Paulo Filipe – Emigração: O Eterno Mito do Retorno, Oeiras, Celta, 1994.

[lxi] HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence – A Invenção das Tradições, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.

[lxii] CASAL, Adolfo Yánez – “Património e Modernidade”, in Actas do IV Encontro Nacional de Museologia e Autarquias, Tondela, Câmara Municipal de Tondela, 1999, p.59.

[lxiii] DUARTE, Ana Maria Lopes – “A Educação para a Cidadania e para a Identidade Cultural é Possível no Espaço Museológico?”, in I Encontro sobre Museologia e Educação, Setúbal, Câmara Municipal de Setúbal, 1995, p.36.

[lxiv] PELLIGRINO, P. - Espace et Développement, Vol.1, CRAAL-UNESCO, 1986.

[lxv] RODRIGUES, Adriano Duarte – “Tradição e Modernidade”, in Identidade, Tradição e Memória, Revista da Fac. CSH, n.º9, Colibri, 1996, p.302.

[lxvi] CASAL, Adolfo Yánez – “Identidades Culturais e Desenvolvimento”, in Revista de Antropologia Portuguesa, Coimbra, Univ. de Coimbra- Depto. Antropologia, 1994, p.9.

[lxvii] WALlERSTEIN, Immanuel – “Mudança Social? A Mudança é Eterna. Nada Muda, Nunca”, in Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º44, Lisboa, 1995, p.3.

[lxviii] MOORE, Wilbert - “Social Change”, in International Encyclopedia of the Social Sciences, Vols. 13 e 14, London, Macmillan, 1972, p.366.

[lxix] FISHER, Gustav Nicolas – “A Mudança”, in Dinâmica Social – Violência, Poder, Mudança, Lisboa, Planeta Editora/ISPA, 1994, pp. 184-185.

[lxx] FISHER, Gustav Nicolas – Op. Cit., p.190.

[lxxi] ROCHER, Guy – Sociologia Geral: A Organização Social, Lisboa, Ed. Presença, 1989, p.220.

[lxxii] ROCHER, Guy – Op. Cit., págs.221-222.

[lxxiii] As condições de mudança podem, também, afectar o ritmo, a direcção e o alcance de uma determinada mudança.

[lxxiv] FERREIRA, José Maria Cabral – “Do Planeamento da Cultura à Cultura do Planeamento”,in  Sociedade e Território, n.º4, 1986.

[lxxv] PEREZ, Joseph Marti - El Folklorismo – Uso e Abuso de la Tradicón, Madrid, Rousel Editorial, s/d.

[lxxvi] PEREZ, Joseph Marti – Op. Cit., p.177.

[lxxvii] CLUZEXI, Claude O. - Le Tourisme Culturel, Paris, PUF, 1998.

[lxxviii] EISENSTRAT, S.N. – A Dinâmica das Civilizações – Tradição e Modernidade, Lisboa, Editora Cosmos, 1991.

[lxxix] HOBSBAWN, Eric e Ranger, Terence - Op. Cit., p.315.

[lxxx] FERREIRA, Carlos Antero – “Restauro de Monumentos Históricos”, Comunicação apresentada no Simpósio Europeu das Empresas de Restauro do Património Monumental, Estrasburgo, 19-20 de Janeiro de 1991.

[lxxxi] PACHECO, Hélder – Portugal, Património Cultural Popular, Porto, Areal, 1985, p.9.

[lxxxii] PEREIRA, Arnaldo António – Op. Cit., p.237.

[lxxxiii] VITAL, Raul – “Os Novos Núcleos do Museu da Água – Preservação do património Museológico e dos Arquivos”, in 1.º Encontro Internacional sobre Património Industrial e sua Museologia, Lisboa, Museu da Água da EPAL, 1999, p.71.

 (Revista de Estudos Cabo-verdianos – Número Especial dedicado ao Património e Museologia, Praia, UNICV, Junho de 2013)