Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
Todos reconhecemos que a educação é um dos pilares da sociedade e que investir na formação académica constitui a melhor forma de atingir objectivos pessoais e profissionais, alargar oportunidades e construir um futuro melhor. Assim, não faz parte dos nossos propósitos determo-nos em longas lucubrações, porque para isto existem os especialistas. Nestes breves apontamentos propomo-nos apenas partilhar pontos de vista num exercício de cidadania no seu sentido mais amplo.
- Revisão curricular
Cabo Verde já possui um significativo número de instituições de ensino superior, frequentados por representativa faixa da população estudantil. Todavia, convém ultrapassar algum imobilismo/acomodação face à manutenção de cursos similares em grande parte dos estabelecimentos de ensino e a prevalência dos chamados “cursos de papel e lápis” por serem mais rentáveis (“baixo custo e alto preço”), embora não pretendamos enveredar para a denominada “economia da educação” (que tem a ver com os factores que determinam a sustentabilidade de um sistema educativo pertinente).
No entanto, o peso crescente das regras de mercado no funcionamento do campo educativo universitário impõe que o mesmo não seja descurado na programação do ensino superior.
Portanto, estamos em crer ser altura de repensar o ensino superior, para ultrapassando o “ensino quase generalista” e partindo da conexão Universidade/Comunidade se desenharem perfis de oferta formativa (especializada), apoiados em planos de estudo e conteúdos compatíveis com uma política integrada e coerente, que vise a implementação duma dinâmica de reformas destinadas a conferirem consistência ao pilar de qualidade no ensino ministrado que, para além do imprescindível rigor, forneça saberes mais adequados às nossas realidades e sempre alicerçados na excelência que se deseja.
Com efeito, apesar de complexa, a revisão curricular tem de ocorrer regularmente e de forma racional, acompanhando a dinâmica da evolução global, mas excluindo sempre a importação de modelos que nem sempre se adaptam a Cabo Verde, para que se garanta aos diplomados saídos das instituições de ensino superior capacitação para participar efectivamente no progresso do país.
- Mercado de trabalho
Apesar de os governantes considerarem que Cabo Verde está num bom ritmo de desenvolvimento, é bastante expressivo o número de jovens recém-formados preocupados com a falta de emprego, o que provoca enorme frustração em quem investiu num curso superior na expectativa da melhoria da qualidade de vida.
Cite-se, a título exemplificativo, que relativamente às actuais taxas de desemprego em Cabo Verde, dados divulgados pelo INE, em Setembro de 2012, informam que 16,6% dessas pessoas possuem um curso superior, cenário deveras preocupante para quem acaba de concluir uma licenciatura.
É certo que na relação educação/formação/emprego o sector do ensino superior não deverá funcionar numa lógica de mercado, mas antes centrando-se primordialmente na promoção do saber/conhecimento e na capacitação através da implementação de iniciativas ligadas a boas e actualizadas práticas no ensino-aprendizagem, através da eleição de estratégias procurando dar resposta àquilo que se precisa em cada “momento” (índices de empregabilidade), para que os licenciados não engrossem ainda mais o número de desempregados, sem também esquecer a significativa percentagem dos nossos estudantes no estrangeiro que regressarão no final dos respectivos cursos. Saliente-se, a propósito, que estudiosos se vêem debruçando sobre as preocupações da denominada “directiva europeia de retorno” perante a malha apertada da imigração no actual cenário de crise.
Mas será que já se cuidou em fazer um aprofundado estudo dando a conhecer as reais necessidades do país e perspectivar o mercado de trabalho? Supomos que tal diagnóstico se mostra da maior relevância para que universidades e empresas estruturem conjuntamente a preparação dos nossos jovens com as competências que Cabo Verde precisa e, deste modo, preencher os “espaços” mais carentes de técnicos.
Também não se descortinam grandes aberturas para auto emprego, visto tal exigir recursos financeiros, aspecto que não está ao alcance de quem não tem acesso ao crédito, que não é nada fácil para um principiante, motivo porque vislumbram um futuro nebuloso.
Acresce que no contexto da estabilidade social, o aumento do rol de diplomados desempregados pode provocar fortes constrangimentos pessoais e despoletar dilemas de vária ordem, como sejam desequilíbrios psicológicos, emocionais e morais, que, ampliados pelos problemas socioeconómicos, potenciam um verdadeiro drama com consequências nefastas para Cabo Verde.
Contudo, perante os sinais de saturação da nossa limitada empregabilidade e visando dar resposta às legítimas expectativas dos licenciados qualificados, se por um lado não convém desperdiçar o importante investimento feito na formação dessa juventude, por outro não se pode lançá-la no desemprego.
Daí a necessidade de serem criadas alternativas, pelo que ousamos aventar a hipótese de se capacitar os licenciados para concorrerem aos mercados de trabalho internacionais, após o estabelecimento de convénios nesse sentido, com um possível alargamento aos países dos PALOPs ou ao espaço da CEDEAO. Dado que a maior parte ainda não possui qualquer experiência no respectivo ramo, para explorar com êxito tais praças será recomendável que detenham capacidade para trabalho em equipa e vantagens competitivas acrescidas das competências profissional, linguística e informática, pois a sua consequente absorção asseguraria a longo prazo a sustentabilidade do sistema.
Outrossim, face ao candente problema de diplomados desempregados, patenteia-se recomendável reestruturar a gama de ofertas de cursos em função das necessidades do país, reorganizar criteriosamente os curricula num formato adequado ao nosso contexto socioeconómico e desenvolvido preferencialmente na óptica da interdisciplinaridade, e ser capaz de incentivar os estudantes a investirem no aprofundamento do conhecimento ligando a teoria à prática, pois aumentar-lhes-á exponencialmente as saídas profissionais. Ainda no contexto da selecção de prioridades, seria conveniente informar previamente os alunos acerca da empregabilidade dos cursos que pretendam frequentar.
- Formação técnico-profissional
Acontece que muitos jovens continuam a se sentirem atraídos pelos “cursos superiores tradicionais”, em detrimento da formação na área dita profissional. Entretanto, mostra-se pertinente assumir que não é apenas a geralmente considerada “educação superior” que nos novos tempos se indicia fundamental para vencer obstáculos no nosso acanhado mercado de trabalho, que não consegue acompanhar a expansão dos licenciados.
Ademais, ocorre que antes o ensino técnico e profissional eram destinados praticamente àqueles que não tinham sucesso na “via académica”. Porém, tendo aquele tipo de formação deixado de estar acantonado ao nível do ensino secundário, o desenho de uma estrutura articulando o ensino técnico e o profissional (em termos de complementaridade) revela-se como forte alternativa para enfrentar as altas taxas de desemprego.
Mesmo assim, indicadores mostram que os alunos que seguem o campo técnico-profissionalizante como via vocacional no secundário não chegam actualmente em Cabo Verde aos cinco por cento, enquanto em alguns países (escandinavos) quase atinge à média de setenta por cento.
Portanto, sendo a formação um subsistema sociocultural, expurgado o antigo preconceito da “subalternidade” do ensino técnico-profissional face ao liceal, numa diligência pragmática (substituindo o sonhar pelo raciocinar) e servindo de uma linguagem inteligível e próxima da acção, se os estudantes forem convenientemente estimulados e elucidados com informações esclarecedoras acerca das potencialidades de emprego investindo nas “áreas ditas profissionais”, constituirá uma estratégia concreta no sentido de colmatar a oferta nos campos em que o país esteja mais carente.
Daí ter sido oportuna a decisão da UNICV desenvolver o ensino técnico-profissionalizante, através da oferta de cursos em diversas vertentes das “artes e ofícios” conjugadas com as “novas tecnologias”, traduzindo-se num significativo avanço com vista a preparar artífices qualificados, que além de satisfazerem o mercado local, estarão melhor apetrechados para singrarem no estrangeiro, caso o desejem.
Igualmente, apesar de a tradição continuar a falar mais alto, muitas vezes as inscrições no ensino superior são condicionadas pela perspectiva de trabalho em determinada área (a que só depois se aditará a possível vocação), como se deduz cruzando o número de candidatos que escolheram como primeira opção um curso que as vagas disponibilizadas não permitiram a sua entrada, com o outro bem diferente a que foram parar, chega-se assim a um índice de “procura vocacional ou preferencial” que não foi confortavelmente satisfeito, além de que poderá também não ter sido aquele o curso que “mais gostariam” (apetência dos estudantes) e cuja escolha tenha sido afectada pelas profissões consideradas com maior rentabilidade económica.
- Competitividade
Historicamente sempre fomos uma nação de resilientes com grande capacidade do “fazer acontecer”. Contudo, nos últimos tempos muita gente se desvinculou da veracidade socioeconómica nacional e passou a considerar que podíamos viver desassociados desse contexto, copiando vivências económicas outras e assumindo mesmo que bastaria um curso superior para ter um futuro garantido. No entanto, o quadro que se nos apresenta hoje em dia determina que o caminho a trilhar se mostra árduo e difícil. Desiludam-se aqueles que acreditam que singrar no nosso escaço mercado de trabalho é fácil, pois os empregadores pretendem pessoas com sólida formação, audácia e orientadas para desbravar afincadamente as oportunidades que se lhes oferecerem.
A este respeito, destacaremos o recente desabafo de um jovem cabo-verdiano licenciado no estrangeiro: “No hirto de um recém-formado, senti há alguns meses uma vera motivação para concretizar o meu regresso definitivo a Cabo Verde. Todavia, abico e deparo com realidades que me são inoportunas para conseguir enquadrar no mercado cabo-verdiano, isto porque os preceitos exigidos são altamente performativos, que um jovem normal não os podem ter”. (1)
Para tanto, a acrescentar aos conhecimentos adquiridos na universidade, os licenciados precisam de se munirem de bonificações relevantes, como sejam forte capacidade empreendedora, perspectivas abrangentes e acreditar que, acima de tudo, só com muito trabalho ser-lhes-á possível alcançar sucesso, porque a única forma de ter êxito é através do mérito. A juntar a tudo isso, não poderão olvidar a formação ao logo da vida, possibilitado pela consolidação do saber com os sistemas “on-the-job training” nos locais de trabalho e “on-line training” aproveitando a mais-valia que a internet hoje representa, para além da possibilidade de a própria universidade fornecer cursos complementares especializados.
Registe-se que Cabo Verde conseguiu a “massificação da educação” ou se se quiser a “democratização do ensino superior”, mas o nível de conhecimentos fornecido por algumas dessas escolas é de certa maneira fraco e quanto às pessoas saídas de estabelecimentos de ensino superior, salvo raras excepções, a quantidade não corresponde à qualidade, visto estar muito aquém do desejável nem patenteia competitividade. Em vez do tão propalado ensino apontando a “excelência”, se atesta que reveladora percentagem dos recém-licenciados possui deficiente formação (assimilação e gestão de saberes), o que é preocupante num mercado cada vez mais exigente.
Tenha-se, todavia, presente que ao entrarem no ensino superior, boa parte dos estudantes são portadores de uma formação deficiente ao nível do secundário, por certo devido aos baixos graus de exigência e também resultado de insuficiências presentes em cada subsistema de ensino (inexistência de exames, deficiente controlo do grau de conhecimentos ou qualquer sistema de aferição comparada), num processo que se prolonga com lacunas ao longo do percurso académico com inadequações que dificultam a eficácia, repercutindo depois na produtividade e que no final conduzem a licenciados sem competitividade, aspecto de que a universidade não se pode alhear.
- Qualidade e excelência
Outro factor importante prende-se à inequívoca correlação entre variáveis como o corpo docente qualificado, a organização dos cursos e estruturação dos curricula, agentes de certa forma determinantes, motivo porque a universidade não pode ficar indiferente a tais questões. Mas qual a explicação para que graduados medíocres sejam lançados no mundo do (des)emprego: Docentes mal preparados? Curricula desadequados? Redução do nível de exigência? Percepção do facilitismo pelos estudantes e a consequente falta de empenho? Outros? Conjunto de parâmetros que carecem de aprofundada análise com vista a se superar tal estado das coisas. Qualquer destas vertentes merece, pois, reflexões consistentes, que não se enquadram nestes apontamentos, pelo que apenas nos deteremos em breves considerações.
Numa atitude positiva, supomos que para haver formação de alto nível em Cabo Verde há que mudar mentalidades economicistas nas universidades e isso faz-se, desde logo, com dirigentes conscientes, gestores criteriosos e professores talentosos que assegurem um corpo docente com a solidez necessária para garantir qualidade e excelência. Potencialidades que apontam o alcance das metas como maior responsabilização, transparência e eficiência, enquanto instrumentos do saber/conhecimento e factor indissociável do bom desempenho dos diplomados.
Tendo a UNICV comemorado o seu 6º aniversário e estando-se em tempo de “revisão curricular”, supomos ter chegado a altura de serem criadas equipas para fazerem a auto-avaliação, ou seja uma avaliação interna como preparação para a possível avaliação externa da universidade.
No Cabo Verde em geral, apropria-se recordar que, segundo dados referentes ao ano lectivo de 2009-2010, de um total de 926 professores no ensino superior, 509 eram apenas “licenciados” (+55%). (2)
Aliás, o próprio Ministro do Ensino Superior, Ciência e Inovação reconheceu ainda recentemente esta situação, ao afirmar que “a quantidade reduzida de professores mestres e doutorados são (das) deficiências apontadas ao ensino superior cabo-verdiano”. (3)
Todavia, convém realçar a propósito que actualmente integram os quadros das instituições de ensino superior público cabo-verdianos uma percentagem de docentes detentores de pós-graduações de longe maior que certos estabelecimentos não-públicos, posição que quanto a estes urge corrigir.
Nesta conjuntura se constata o completo desrespeito pelos preceitos legalmente instituídos no referente ao rácio doutores e mestres / estudantes por curso, tendo presente que em muitos estabelecimentos de ensino superior cabo-verdianos é diminuta a presença efectiva de docentes titulares de pós-graduação (bastas vezes são licenciados sem experiência na respectiva área a formarem licenciados), o que é mascarado com os tão falados “professores-turbo” (que leccionam em vários estabelecimentos visando apenas o económico) e meteóricas estadias de docentes estrangeiros, não se preocupando tais instituições em substituir o “oportunismo comercial” pelo investimento na competência, descartando completamente a ética e a moral.
Entretanto, na senda duma formação dinâmica e actualizada, para gerir com perspectivas de médio/longo prazo o corpo docente visando formar bem, em ritmo favorável e de maneira a ganharem credibilidade, a questão que se coloca centra-se na articulação do ensino com a investigação científica, de modo que a inovação constitua um reacerto entre o homem, o saber e o mundo globalizante, mas investindo na adequação aos objectivos pretendidos.
Sugere-se que no caso vertente, as estruturas de investigação concorram assertivamente para o progresso, ao estimularem a racionalização dos recursos através da interligação das diversas áreas e de modo a se interagirem com originalidade numa perspectiva do investimento em acções de carácter arrojado (superando a rotina).
- Sugestões
No entanto, para o bom desempenho da docência, para além do trabalho em equipa (praticamente inexistente), evidencia-se também importante restringir asfixiantes burocracias supérfluas e fornecer aos professores condições que potenciem a implementação de um eficiente trabalho, como sejam instalações condignas, bibliotecas apetrechadas, material de apoio (computadores, data show, reprodução de textos, etc.) e a criação de centros de investigação (núcleos temáticos, prática da interdisciplinaridade, grupos de trabalho constituídos por docentes e estudantes), entre outros instrumentos conducentes à boa práxis educativa.
A finalizar alertaríamos que o bom senso recomenda não ser conveniente “rasgar páginas ao calendário” na ânsia de deliberações precipitadas, mas sim aprofundar o conhecimento dos problemas, a construção de consensos (universidades e empresas) e a promoção da prudente concertação (entre as instituições públicas e as privadas) no estabelecimento de estratégias na busca de soluções para um ensino superior que melhor sirva Cabo Verde.
(A NAÇÃO, Praia, 03 de Janeiro de 2013)
Notas:
1 - Hélder Lopes, A Semana on-line, 19-11-2012
2 - www.minedu.gov.cv – Maio de 2012
3 - Correia e Silva, Expresso das Ilhas, 02-05-2012