Textos
Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
VIOLÊNCIA VERSUS TOLERÂNCIA II

Porquanto tranquilidade e confiança é aquilo que os cidadãos mais desejam, medra a tendência para achar que certas situações são implacáveis e controlam como uma espécie de segunda natureza que leva a determinados comportamentos. Daí uma das possíveis respostas a este fenómeno ser, diga-se a título de exemplo, a auto-ajuda face à inadequação do pensamento rendido aos clichés que desistem de agir contra a realidade. Ao procurar aprimorar emocionalmente, o indivíduo pode atingir dimensões consideráveis através de auto-ajuda, que para muita gente passou a ser uma maneira de auxílio para soluções nos mais variados campos. Para tanto mostra-se importante desenvolver a capacidade de enfrentar as situações a que estão expostas e que as podem influenciar, sendo uma questão de sensatez fazer escolhas racionais e não a partir apenas de sentimentos.

Paralelamente não se pode alhear do modo como esta sensação de periculosidade é explorado por alguma comunicação social, ressaltando notícias relacionadas com a violência em grandes parangonas, nomeadamente assaltos, mortes, violência doméstica e abusos sexuais. Constata-se nesse modo de informar o aproveitamento mediático do “ambiente de brutalidade” para “captar audiências”, ao mesmo tempo que falta aos relatores a preocupação de fornecer propostas com intuito de colaborar na solução dos problemas, como aliás aconselha o bom desempenho da sua função de INFORMAR E FORMAR, para além de constituir um dever de cidadania.

Ocorre, ainda, que a notícia apresentada de forma “altissonante” pode também levar a um processo de imitação de comportamentos desviantes por parte da juventude em busca da afirmação, especialmente quando podem interferir na melhoria da qualidade de vida, ainda que por ínvios caminhos. 

Outro aspecto inquietante prende-se com o aumento do crime violento e com recurso a armas, até com calibre para uso das forças de segurança e militares, pelo que, segundo dados divulgados em Maio de 2013, Cabo Verde ocupa a 58ª posição no “ranking” mundial de homicídios (tabela  elaborada pelo Instituto Avante Brasil, com base nos dados fornecidos pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Comunitários), com 56 mortes em 2007, correspondentes a uma taxa de 11,6 por cento por cada 100 mil habitantes. Entretanto no Índice do Desenvolvimento Humano, o país encontrava-se em 2012 no 132º lugar…

Logo são números inquietantes e tal categorização revela a necessidade de uma séria reflexão conjunta sobre o assunto, porque Cabo Verde está a tornar-se uma sociedade violenta (com vários graus de gravidade), exigindo o seu controlo com inteligência, a busca de alternativas preventivas, criminalizar a violência e punir exemplarmente os prevaricadores.

Reagindo a estes dados, a Ministra da Administração Interna demonstrou desconforto, afirmando: "Temos de nos preocupar, não com a comparação com os outros, porque dentro dessa comparação, naturalmente, há países com maiores taxas por 100 mil habitantes (...), e não nos vamos esconder por trás da taxa para dizer que estamos confortáveis". Acrescentou, ainda: "Temos factores de violência muito fortes na criminalidade contra as pessoas e muitos dos nossos homicídios têm origem no relacionamento interpessoal. Falo da violência baseada no género e dos homicídios entre irmãos". E justifica: "Muitos desses homicídios estão relacionados com o consumo exponencial do álcool, com questões ligadas ao narcotráfico e com os homicídios inexplicáveis, mas que estão relacionadas com a criminalidade organizada".

Perante tal classificação na conjuntura da violência e criminalidade, a situação mostra-se deveras preocupante, tendo em conta que nos fomos habituando à ideia divulgada acerca da morabeza das gentes destas ilhas.

Porém, não obstante se escutarem queixas, comentários e “soluções de café”, não existe um estudo (exaustivo levantamento e consequente análise) de todas estas questões com vista à respectiva prevenção. Também, denota-se em Cabo Verde insuficiente investimento político-social no sentido da formação para a cidadania, contrariamente à galopante perda na aprendizagem dos valores tradicionais, ao mesmo tempo que parte significativa da população se acomoda, sem qualquer papel interventivo, o que tem conduzido a uma indiferença corrosiva ao considerar que pertence ao Estado essa responsabilidade.

No entanto, a sociedade em geral tem que assumir o seu papel e participar na luta contra a violência e em prol da tolerância nos relacionamentos. Neste enquadramento é fundamental que o apoio social (organizações oficiais, instituições religiosas, associações cívicas, entidades públicas e privadas) e seus reguladores entrem em campo visando combater esta certeza e fomentar na população a auto-estima/esperança. Entrementes, face à importância da educação/prevenção, convém que a formação cívica seja adequada à juventude, para que possa também se transformar em protagonista nas acções apontando caminhos para a tolerância.

Como a sociedade cabo-verdiana enfrenta riscos decorrentes de situações que propiciam ameaças ao revelarem transformações/desestruturações em torno de instituições sociais como a família e a escola, constitui responsabilidade de todos a busca de estratégias com vista a encontrar soluções para esta situação, nomeadamente a tolerância face a atitudes diferentes das que são a norma no respectivo grupo. Numa concepção moderna é, também, a atitude pessoal e comunitária aceitar valores/procedimentos diferentes daqueles adoptados pelo grupo de pertença original. Portanto, o que subjaz à tolerância é o reconhecimento de que o mundo é suficientemente vasto para permitir a coexistência de alternativas. Tolera-se melhor os outros quando se sabe como tolerar a si mesmo e aprender a fazê-lo constitui um objectivo da “vida civilizada”.

(A Nação n.º 301, Praia 6 a 12 de Junho de 2013)