Textos
Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
PONTUALIDADE

                                                                                          “A pontualidade é uma ladra de tempo" (Óscar Wilde)      

 

A pontualidade relaciona-se com o facto de se tomarem diligências no sentido de fazer as coisas atempadamente e, ainda, de chegar ou partir à hora combinada. Todavia, o valor da pontualidade varia consoante a cultura e o contexto, de modo que no “mundo ocidental” consideram a impontualidade uma falta de respeito, independentemente da razão, pelo que cumprindo a pontualidade será respeitoso com um tempo que não é só seu, mas também dos outros.

Nessas sociedades é grande o apreço dado ao tempo, conceito estabelecido desde criança e mantido permanentemente como um hábito que se reafirma no quotidiano. Daí em qualquer circunstância, a pontualidade constituir um dever, que no caso particular dos cidadãos responsáveis assume o aspecto de inalienável compromisso de honra.

Claro que todas as pessoas estão sujeitas a imprevistos, mas atrasos recorrentes podem se tornar um grave problema quando as indefectíveis demoras resultam da tendência para o retardamento que, sistematicamente, acontece nos encontros, reuniões ou na abertura dos eventos e se prolonga até ao encerramento, num completo desrespeito pelos horários, ética e correcto procedimento.

 O mesmo se passa nas relações laborais, porque no geral as estruturas organizativas dão grande ênfase à pontualidade e à assiduidade como dimensões fundamentais do comportamento do trabalhador. Tanto mais que a perda de eficiência e a da produtividade podem ser causadas por um sem-número de razões, mas o facto de pontualidade e assiduidade serem obrigações funcionais, faz com que sejam utilizadas como desculpa para justificar e encobrir os verdadeiros motivos. Acrescente-se que no ambiente profissional, a falta de pontualidade denota desorganização e nenhuma instituição pode alcançar pleno rendimento na objectivação de seus propósitos se se dissociar da disciplina, que por mais complexa que seja tem início naquela premissa.

Embora defina muito da personalidade, a pontualidade não é atributo muito valorizado entre os cabo-verdianos, ao ponto de, normalmente, os horários das actividades serem anunciados “por volta das” e não “às”, regra geral no funcionalismo público a entrada ocorre atrasada (nem se preocupando com o controlo digital) e meia hora antes do fecho dos serviços já se estão a preparar para a saída, a chegada de destacadas personalidades aos eventos só acontece depois de os emissários os informarem que a “sala já está composta”, os convívios começam “lá pelas tantas”, as discotecas entram em animação depois da meia-noite, os corsos carnavalescos raramente cumprem a hora planeada para os desfiles e quanto às carreiras de autocarro nem é preciso falar, simplesmente não existem horários.

Parece não se dar conta do fluir do tempo ou então de que ele interfere no controlo dos afazeres que a cada um compete – “há de se fazer”, e muito fica para ser realizado à última hora, provocando correrias, numa sucessão de “empreitadas”, dando a sensação de hiperocupações, de compromissos sobrepostos, de falta de tempo…

Portanto, uma dos nossas complexidades reside na falta de pontualidade em relação a compromissos assumidos, na medida em que, por norma, temporalmente tudo funciona no registo do “mais ou menos”, visto não haver o hábito de indicar horas exactas, dando praticamente a ideia da incapacidade em serem cumpridas. No entanto, existem algumas excepções, que confirmam a regra geral, como será o caso dos professores que se vêem obrigados a um mínimo de pontualidade, porque caso contrário já não encontrarão os alunos e as consequentes faltas terão impactos nefastos.

De facto, a pontualidade não é normalmente um valor em uso, sendo raros aqueles que cumprem escrupulosamente os horários, aspecto que acaba por se repercutir na gestão dos afazeres quotidianos ou causa o stresse de uma preocupação acrescida e perante os poucos pontuais surge a desculpa que “o tempo não deu”. Constata-se, ainda, que para além de se atrasar, geralmente o cabo-verdiano não se preocupa com pedir desculpas e muitas vezes nem justifica o atraso, ainda que alongado (pelo que se aconselha alterar esse incorrecto modo de proceder).

O entendimento que a falta de pontualidade estende-se a todos os estratos sociais, profissões e relacionamentos, leva à ideia que o tempo do outro é pouco importante e, habituados ao crónico “deixa andar”, aparece a “desculpa esfarrapada” mais comummente apresentada de que se trata de uma herança do colonialismo.

A nosso ver, a razão essencial da tendência para estar atrasado advém de, num círculo vicioso, se julgar que os outros também vão chegar e uma vez que tais profecias se concretizam, reforça-se esse comportamento de tal forma que os retardamentos passam a ser considerados normais.

Longe de nós querer defender a pontualidade como uma obsessão, visto discordarmos daqueles que contam o dia ao minuto e considerarmos que por um pequeno atraso e dependendo das situações, não deverá haver aborrecimentos. Atendemos o “quarto de hora académico” desde que não utilizado sistematicamente, aceitamos os atrasos pontuais e somos pela tolerância que se poderá atribuir a motivos como trânsito intenso, acidentes, perda do autocarro, uma noite mal dormida, uma indisposição, etc.

Alguém dizia com humor que não vale a pena perder tempo com o problema da pontualidade em Cabo Verde. Supomos, no entanto, que passadas quase quatro décadas a “pensarmos pelas nossas cabeças”, portanto mais de uma geração, já é tempo de em prol de uma cidadania responsável se assumir nova ética neste campo específico.

Todos sabemos que que as mudanças de hábitos são sempre difíceis e morosas na concretização, principalmente quando mexem com algo que possa causar algum desconforto. Mesmo assim, tendo presente que na vida em sociedade tudo pode mudar desde que se utilizem as vias mais indicadas para atingir os objectivos desejados, há que alertar para a necessidade de o assunto ser debatido abertamente e com a colaboração de todos na procura de soluções viáveis, dado o seu importante interesse para o progresso de Cabo Verde.

No “mundo globalizado e das novas tecnologias” o tempo é actualmente um património escasso e a pontualidade uma virtude característica de pessoas triunfadoras. Após perceber o quão importante resulta ser pontual, cada um aprenderá a administrar seu tempo de forma rentável (Basta contabilizar as horas perdidas nos sucessivos atrasos).

Entretanto, como pequenas atitudes podem ajudar a se tornar pontual, na tentativa de contribuir para mudanças neste contexto, ousamos deixar breves dicas passíveis de conduzirem à alteração de hábitos:

- A pontualidade começa pela disciplina pessoal e daí a necessidade de um coerente planeamento, porque o dia organizado reduz bastante o stress  e faz com que se tenha a real noção do tempo disponível.

- Considerar o tempo não um adversário mas um aliado, dando-lhe o devido valor (nas sociedades industrializadas o tempo é dinheiro) ao extrair as potencialidades do seu bom aproveitamento.

- Constituir preocupação respeitar não só o seu tempo como o dos outros, chegando no horário estipulado ou cumprindo a hora agendada.

- Gerir bem as primeiras tarefas do dia. Muitos dos atrasos acontecem por se perder demasiado tempo nas primeiras actividades, ficando as restantes condicionadas com as horas que restarem.

- Definir prioridades quando dispõe de pouco tempo e não executar várias actividades simultaneamente, porque algumas ficarão mal feitas e outras incompletas.

- Ver a falta de pontualidade como um problema na sua vida. Só assim, poderá melhorar os seus comportamentos.

(A Nação nº 352, de 29 de Maio a 04 de Junho de 2014)