Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
(No Ano Europeu dos Cidadãos)
O conceito de cidadania teve a sua origem na Grécia clássica, sendo então usado para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali participava activamente nos negócios e nas decisões políticas, pelo que pressupunha todas as implicações decorrentes da vida em sociedade.
Todavia, ao longo dos tempos o conceito de Cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão, considerando-se então "Cidadania: Direito de ter direito"
No entanto, a sua prática é um exercício dos direitos e deveres civis, políticos, sociais e culturais, estabelecidos pelas normas de cada país, as quais tendem estar em consonância com as regras internacionalmente reconhecidas (com a chamada globalização), pelo que assume actualmente uma caracter supranacional. Portanto, o desempenho da cidadania reside na consciência dos respectivos direitos e deveres, bem como lutar para que na respectiva práxis cada cidadão cumpra as suas obrigações permitindo que o outro exerça igualmente seus direitos.
Igualmente, muitos encaram a cidadania como intrinsecamente associada à noção de democracia, por permitir o indivíduo intervenha activamente nos assuntos públicos, participe na formação de governos e na sua administração, seja através do voto (indirecto) seja através do concurso e exercício de cargos públicos (directo).
Assim, as várias constituições (enquanto leis fundamentais) dos países democráticos expressam nos respectivos textos os deveres e direitos do cidadão, nomeadamente o cumprimento das leis, apoio aos seus semelhantes, a protecção da natureza e do património, o direito à saúde, educação, habitação, trabalho, protecção social, lazer e liberdade de expressão, entre outros.
Daí que, conforme Jorge Sampaio (ex-Presidente da República Portuguesa e Representante das Nações Unidas), "a cidadania é a responsabilidade perante nós e perante os outros, a consciência de deveres e de direitos, o impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se pensa."
Genericamente, a cidadania comporta três dimensões: civil, enquanto, conjunto de direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e de pensamento, direito de propriedade e de conclusão de contractos, direito à justiça; política, enquanto direito de participação no exercício do poder político, ser eleito ou eleitor no conjunto das instituições de autoridade pública; social, enquanto conjunto de direitos relativos ao bem-estar económico e social, desde a segurança até ao direito de partilhar do nível de vida conforme os padrões prevalecentes na sociedade.
No entanto, a evolução das sociedades tem vindo a demonstrar que não é suficiente a igualdade formal perante a lei para que todos possam participar com igual estatuto na comunidade. Por razões económicas e políticas, parte significativa das populações continua excluída e sem condições efectivas de poder participar condigna e socialmente na condução das mesmas, dando lugar à reivindicação de direitos, que se materializam, principalmente, na segurança social, emprego, saúde, educação e habitação.
Com o advento das consideradas sociedades modernas, verificou-se uma mudança de valores e as “desigualdades de nascença” deixaram de ser aceites como válidas para as anteriores “descriminações”. Os novos paradigmas assentam na igualdade dos indivíduos e na liberdade de cada um buscar o seu bem-estar no respeito pelos outros e pelos preceitos estabelecidos, conjugados com as normas consagradas na Declaração dos Direitos do Homem (proclamada em França, em 1789, aquando da Revolução Francesa).
Posteriormente (no final da II Guerra Mundial) foi aprovada, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, que incluiu também os direitos económicos e sociais, princípios que passaram a ser incorporados nas constituições dos estados democráticos. Deste modo, no século XX surgiram os direitos económicos, sociais e culturais, que poderão ser entendidos como prolongamento natural do direito à vida, porque sem condições mínimas de existência os indivíduos deixam efectivamente de poder gozar as suas prorrogativas cívicas e políticas.
Acresce que a cidadania não é apenas um estatuto definido por um conjunto de direitos e responsabilidades, representa igualmente uma identidade, uma expressão de pertença a uma comunidade sociopolítica e partilhada por ser comum aos diversos grupos sociais, visto deter uma função integradora.
Contudo, a mobilidade proporcionada pelo dinâmico progresso nas comunicações e transportes facilitou as deslocações de pessoas para os países hospedeiros, nos quais alguns agregados diferenciados se sentem, por vezes, ainda excluídos, apesar de “legalmente” possuírem iguais direitos de cidadania. Daí que para determinados grupos sociais (como os mais desfavorecidos, mulheres, minorias étnicas e imigrantes) a reivindicação centra-se geralmente na exigência de maior inclusão e participação activa na sociedade, quando se sentem sub-representados na protecção social ou no processo político-cultural (ambicionando, por isso, maior representatividade).
Logo, face ao “pluralismo étnico-cultural”, a noção de cidadania deva reflectir o respeito pelas respectivas "especificidades" socioculturais e numa perspectiva que os reconheça como indivíduos com direitos e deveres iguais perante a lei. É neste contexto que a chamada “cidadania democrática” se distingue canonicamente das perspectivas feudais e pré-modernas, que a faziam depender dos estatutos político, religioso, étnico, classe social ou sexo, perante a ideia de uma “cidadania diferenciada”.
Contudo, o conceito actual procura legitimar a formação pessoal para a autonomia moral, a responsabilidade, o conhecimento e o juízo críticos, a empatia e a comunicação, bem como a formação social para a escolha e a decisão, a cooperação, a intervenção e o compromisso, visto constituir pilar inovador: o “aprender a viver juntos”.
Como o “exercício da cidadania” representa uma importante garantia da democracia e estando Cabo Verde ainda a dar os primeiros passos neste campo específico, mostra-se aconselhável investir na formação cívica, com vista ao pleno gozo de todas as disposições constitucionais.
Dado se constatar que a sociedade cabo-verdiana (principalmente as camadas mais jovens) vêm perdendo importantes valores nesse contexto, mostra-se oportuna a implementação de iniciativas no campo da “Formação para a Cidadania”, designadamente Educação para os Direitos Humanos, Educação para a Paz, Educação para os Valores, Educação para a “Civilidade e Boas Maneiras”, Educação para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Educação Intercultural (ou seja, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a viver em grupo), no sentido da preparação de cidadãos responsáveis e conscientes dos seus deveres e direitos.
Todavia, embora o Estado tenha um importante desempenho na construção da cidadania (sugerindo propostas e estratégias educativas), realce-se que esta formação deverá iniciar-se no seio da própria família, passando depois à escola, para mais tarde as instituições e associações culturais, recreativas, grupos profissionais e sociais, desempenharem igualmente o seu papel, agindo no sentido de uma cidadania pró-activa.
(A Nação n.º 323, de 07 a 13 de Novembro de 2013)