Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
Em Maio passado teve lugar o “Mindelo Meeting Point” visando a promoção do turismo nas “Ilhas do Norte”, no qual várias entidades e parceiros debateram as potencialidades, os desafios e os constrangimentos dessa “Região Turística”, bem como a necessidade de enveredar para um turismo “mais sustentável”.
Integrando o grupo sobre que debruçou o referido encontro, S. Nicolau é a quinta ilha cabo-verdiana em superfície (343km2) e, à semelhança de quase todo o arquipélago, de origem vulcânica. Por isso, quando faz bom tempo, se pode avistar boa parte das outras ilhas a partir do Monte Gordo, uma das sete maravilhas de Cabo Verde. Também possui cerca de 152 km de costa marítima que apresenta, por vezes, impressionantes falésias, mas possui igualmente pronunciadas baías, boas praias e placas como o Carberinho (outra das sete maravilhas de Cabo Verde).
Todavia, S. Nicolau ainda vive praticamente de uma economia agro-pecuária sujeita às contingências de chuvas irregulares. Assim, apesar de possuir diversos microclimas, a escassez de recursos hídricos e a inexistência de indústrias levam a que significativa percentagem da população continue a depender de uma agricultura bastante artesanal, fazendo com que expressiva parte dos seus habitantes esteja carenciada e a míngua de emprego (com maior incidência entre as camadas jovens) tem conduzido à saída de muita gente na faixa etária produtiva.
Contudo, a ilha é detentora de reconhecidas potencialidades para o desenvolvimento do turismo, cuja exploração controlada possibilitará a redistribuição de dividendos passíveis de se traduzirem na melhoria das condições de vida das populações mais desfavorecidas com a promoção do turismo sustentável, contribuindo para a solução de alguns dos problemas relacionados com o desemprego através de acções que visem a criação de postos de trabalho.
No entanto, apesar de S. Nicolau estar potencialmente vocacionada para esta indústria, visto possuir elementos naturais, história, tradição, paz e hospitalidade, que a tornam um destino fantástico para qualquer visitante, é ainda incipiente a exploração turística.
Assim, perante a necessidade de complementar a tendência que se vem registando em Cabo Verde para um tipo de turismo virado para o conhecido “sol e mar” centrado no sistema “all inclusive”, para diversificar a oferta poderão ser operacionalizadas alternativas aproveitando as suas virtualidades para o desenvolvimento do Turismo Natureza e do Turismo Cultural.
Para tanto há que proceder ao levantamento das potencialidades naturais da ilha, acrescentar aquelas as mais significativas representações da cultura tradicional e diligenciar as interconexões/relações com as diferentes actividades e instituições no sentido de desenvolver sinergias que dinamizem a indústria turística.
Na circunstância do Turismo Natureza, destaque-se que S. Nicolau possui um relevo vigoroso, por vezes com paisagens implantadas de rochas imponentes, cuja beleza, os contornos arredondados dos montes despidos e os vales profundos, propiciam que a magia se disperse no ar (e nos rostos das suas gentes crentes em mil e uma lendas e mistérios que alinhavam as suas vidas), convidando ao turismo de montanha, escalada, caminhada (aproveitando os próprios caminhos vicinais) e trekking.
Existem condições para a implantação do ecoturismo, a ser implementado através da preservação de recursos naturais, valorização ambiental e sua ligação à promoção turística, contribuindo para o desenvolvimento humano de S. Nicolau ao propiciar a melhoria das condições de vida da população e assim contribuir para a diminuição da pobreza.
O Parque Natural do Monte Gordo (um dos mais organizados do país) merece ser destacado, não só pela beleza envolvente, como pelas várias espécies endémicas nele existentes e que em conjunto constituem um cartaz capaz de captar o turismo com cariz científico, para além de se contar com a deserta ilha de Santa Luzia mais os ilhéus Branco e Raso, reservas naturais que oferecem um produto único.
Acresce que os lugarejos que semeiam os vales e ladeiras da ilha possuem interessantes estórias que ajudarão a divulgar tradições, complementando um turismo a partir da recuperação de imóveis com características tradicionais em espaços rurais, solução que aumentará o rendimento das famílias quando integrados em programas de alojamentos de turistas, proporcionando-lhes o lazer, o repouso, o bem-estar e a desejada tranquilidade.
Outra alternativa para um turismo de qualidade vocaciona-se para o agro-turismo, ao criar no contexto agrário opções num ambiente familiar aos amantes da Natureza nas propriedades rurais onde os visitantes podem participar nas actividades agrícolas na altura em curso.
Além do “sol e praia”, ligado ao mar estão os desportos náuticos, o mergulho, a pesca desportiva (destacando-se atum, espadarte e o conhecido blue marlin), visitas às espécies marinhas no seu próprio habitat, bem como o turismo de saúde, pois existem boas condições para a prática de talassoterapia, com especial ênfase para as algas e areias negras do Tarrafal, cujas propriedades curativas são por demais conhecidas.
Um dos campos a observar é o aproveitamento da autenticidade de um alargado conjunto de usos, costumes e tradições como produtos para a exploração do Turismo Cultural. Tal desiderato incidirá, certamente, numa estratégica participativa das comunidades, centrada primordialmente na promoção dos bens patrimoniais, tradições locais e um desenvolvido leque de lazer/divertimento integrando aspectos sincréticos (carnaval, festas juninas, romarias), no sentido de atrair e deleitar visitantes.
Acresce que a rica gastronomia local poderá representar um atractivo turístico, ampliado pelo diversificado cardápio de peixes e mariscos. Para tanto é preciso valorizar o tradicional, dar o mesmo a conhecer e diversificar as ementas, criando condições para que os pratos ganhem competências nas feiras de gostos e sabores.
Ainda no contexto cultural merece destaque o facto de a ilha de S. Nicolau ter acolhido nos meados de século XIX o Seminário-Liceu, o primeiro estabelecimento de ensino secundário em Cabo Verde e que pelas suas características formava não só sacerdotes, como também pessoas que se destacaram nos mais diversificados ramos da administração, ensino e cultura, nomeadamente conceituados escritores que são referências na literatura de raiz cabo-verdiana, casos de José Lopes da Silva (natural do Boqueirão), Baltazar Lopes da Silva (Calejão) e Luís Almeida Gominho (Ribeira Brava) professor. Além disso a ilha foi berço de personalidades como Antónia Pusich (Preguiça) a primeira poetisa cabo-verdiana, Dr. Júlio José Dias (Ribeira Brava) eminente médico que cedeu a sua casa de residência para ser instalado o referido Seminário-Liceu, escritor Manuel Lopes (Campinho) e o professor e escritor Pedro Corsino de Azevedo (Praia Branca), entre muitos outros.
Refira-se, identicamente, que S. Nicolau foi sede do Bispado de Cabo Verde e Guiné (o primeiro a ser criado na África subsaariana, em 1533) que esteve instalado nesta ilha durante quase dois séculos, ou seja de 1786 até 1943, data a partir da qual se transferiu para a Praia.
Todo um contexto com fortes influências na formação do sanicolaense e que se traduz numa gente que se distingue pela singularidade da sua hospitalidade, pois ainda cultiva a morabeza cabo-verdiana, circunstância da maior importância para a prática do turismo.
Junção de mais-valias cuja interacção estimulará os diversos sectores da indústria turística de forma a avocar a implementação e consolidação de um produto de qualidade valorizando o que de melhor existe em S. Nicolau
Contudo, para além da imprescindível actualização dos métodos e técnicas de exploração do produto turístico, neste empreendimento caberá a cada um em particular e todos em sintonia considerarem-se mobilizados para vencer o desafio através da coerente utilização das potencialidades da ilha, sem destruir os patrimónios natural, construído, material e imaterial, na implementação de uma oferta de qualidade.
Portanto, a plena concretização das propostas aconselha que sejam antecedidas de acções de sensibilização, capacitação e formação na implantação de programas incidindo na preservação ambiental, conservação do património histórico-cultural e promoção turística.
Saliente-se, entretanto, que o êxito destas iniciativas aconselha a, primeiramente, encarar a solução dos actuais constrangimentos relacionados com transportes (apesar de a ilha se localizar mais ou menos no centro do arquipélago), de forma que sejam regulares e numa frequência que garanta a eficaz deslocação de turistas que desejem visitar a ilha, tanto por via aérea como marítima.
(A Nação n.º 413, 30 de Julho a 5 de Agosto de 2015)