Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
O turismo é uma rendosa indústria em expansão no mundo inteiro. Conhecedor das potencialidades de Cabo Verde, o “Programa do Governo para a Legislatura 2006/2012” informa: “O Governo continuará a considerar o Turismo como o motor principal da economia. Serão identificados e implementadas políticas acertadas que respondam com melhor eficácia aos problemas e dêem resposta aos novos desafios impostos pela modificação na situação do mercado para, entre outros:
- O aumento significativo da competitividade internacional do turismo cabo-verdiano;
- A promoção do desenvolvimento de empreendimentos turísticos integrados e de superior qualidade.” (1)
Todavia, apesar destes propósitos, a recente crise mundial afectou substancialmente o sector do turismo com repercussão também em Cabo Verde. Daí que, para ultrapassar a situação e haja um turismo sustentado, é preciso que apresente particularidades atractivas. Neste sentido considera um investidor no ramo que “temos de pensar não só em construir hotéis, mas também dinamizar a cultura e a gastronomia. Esta é a mais-valia. Fazer a recriação, recolher aquilo que é típico em Cabo Verde e explorá-lo em termos turísticos”.(2)
Afirma, também, Júlio Lopes que “a generalidade das pessoas acha que o turismo que actualmente existe (...) em Cabo Verde no geral não é o mais adequado em virtude dos “limitados impactos” que está a ter na economia local. Por isso é que existe uma certa insatisfação em relação ao modelo do turismo caracterizado pelo sistema “all inclusive”, em que os turistas pagam os pacotes no país de origem com direito a realizar praticamente todos os consumos dentro do recinto do hotel”.(3)
Como o turismo é a única indústria onde o produto não se desloca e o cliente tem que ir ter com ele, a actividade turística baseia-se actualmente no facto de as pessoas estarem interessadas em conhecer algo novo e usufruir de novas experiências. Constatação que exige serem as nossas ofertas apelativas face à concorrência a nível mundial, para que o turismo se constitua a alavanca do desenvolvimento.
Supomos, todavia, que a ausência de uma estratégia inicial, apostada na prévia elaboração de um coerente “master plan” para a actividade turística no arquipélago, preparado no sentido da integração equilibrada dos sistemas económico, sociocultural e ambiental, correlacionadas às práticas da chamada “boa governação” e visando gerar uma “economia redistributiva”, não tem contribuído para o desenvolvimento equilibrado.
Ao mesmo tempo que se detectam subprodutos de certa forma nocivos e que não se coadunam com as fragilidades estruturais, sociais e ambientais das nossas ilhas, constata-se uma desenfreada e algo caótica exploração turística, sem expressivas contrapartidas para a melhoria das condições de vida dos habitantes. Atente-se no que vem acontecendo na Boa Vista, cujas dunas estão a ser irresponsavelmente degradadas pelos turistas nas suas incursões montando as conhecidas “moto-quatro”.
Acontece que em Cabo Verde se tem investido primordialmente no “turismo de sol e praia” explorado no sistema “tudo incluído”(4), de maneira que falta acertar o passo entre a aptidão do nosso espaço natural e a intervenção adequada para um desenvolvimento integrado, tanto mais que este sistema fundamenta produtos com forte aceitabilidade internacional.
Para alcançar tal desiderato, convém que o modelo de exploração turística possua uma estrutura de sustentabilidade social (criação de emprego e envolvimento das comunidades locais), sustentabilidade ambiental (não poluir nem destruir) e sustentabilidade económica (rentabilidade), que conduza ao desenvolvimento equilibrado e ajude a combater as assimetrias regionais (ilhas).
Mostra-se, pois, recomendável diversificar as linhas de intervenção no sentido de possibilitar uma exploração turística com mais redistribuição e menos efeitos negativos, ou seja providenciar para que as populações participem no processo produtivo e tenham também acesso aos seus benefícios (caso da participação no turismo sustentável).
No entanto, embora se reconheça a ausência de uma concertada sensibilização e a falta de incentivos credíveis por parte dos responsáveis, tanto a nível central como local, verifica-se uma carência de iniciativas lucrativas dinamizadas pela população em geral e também de vontade empreendedora na procura de alternativas inovadoras no contexto ligado ao turismo. Cite-se, a título exemplificativo, a escassa exploração no comércio do artesanato à base de materiais locais (coco, chifre, sisal, sementes, peles, conchas, pedras, etc.).
Não se pode aceitar a desculpa de falta de mercado, porque tal é contrariada com a actividade (ainda que de maneira “agressiva”) dos imigrantes da costa africana vendendo com relativo êxito peças que não têm nada a ver com a cultura cabo-verdiana, embora seja adquirida como tal (por desconhecimento dos turistas).
No contexto em apreço, dinamizar a criatividade na lógica de maximização dos benefícios para as respectivas comunidades, implica a partilha de sugestões quanto ao tipo de turismo a implementar no País.
Daí supormos que a estratégia que subjaz a este modelo parta da mudança ou diversificação no paradigma das ofertas e tendo em conta os constrangimentos de ordem ambiental, ajusta-se privilegiar a aposta em caminhos conducentes a um turismo sustentável.
Nos últimos tempos a noção de sustentabilidade tem adquirido uma crescente importância devido, principalmente, à tomada de consciência a nível mundial dos problemas ambientais, recomendando a adopção de comportamentos no sentido do desenvolvimento sustentável.
Para tanto, o Relatório das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987) definiu o desenvolvimento sustentável como aquele “que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (5).
Em termos conceptuais, tal desenvolvimento impõe normas que condicionam a exploração ilimitada dos ambientes naturais, portanto, subjacentes a estratégias de gestão ambiental, regidas por princípios que não comprometam a biodiversidade e os ecossistemas insulares, primam pelo consumo dos recursos renováveis de acordo com as capacidades da sua manutenção, zelem pelo controlo da emissão de produtos poluentes e cuidem da recuperação dos ambientes degradados, numa conjugação e reforço das políticas económicas, ambientais e sociais.
De acordo com as recomendações saídas da “Cimeira da Terra” - que teve lugar no Rio de Janeiro em 1992 - o desenvolvimento sustentável deve ser economicamente viável, culturalmente aceite e socialmente justo, num plano que considere a área política, as decisões técnicas e as económicas complementando-se como um todo.
Aquela estratégia económica consolidou-se com a “Cimeira Mundial do Desenvolvimento Sustentável”, realizada em 2002 (em Joanesburgo), ao reconhecer que não pode haver turismo sustentável sem a preservação ambiental.
A necessidade de se darem respostas efectivas ao desenvolvimento sustentável com base no lançamento de iniciativas fundamentadas na ligação da problemática da degradação ambiental com o combate às assimetrias socioeconómicas, levou-nos a priorizar alguns aspectos respeitantes à harmonização do progresso com o chamado “Turismo de Natureza”, centrado neste caso nas componentes ligadas ao mar e ao espaço rural que podem ser transformados em produtos turísticos.
Concretizando a sugestão, já em anterior circunstância (6) referimo-nos à complementaridade regional no contexto da exploração turística numa oferta que comporta as ilhas de S. Vicente e de Santo Antão devidamente articuladas, a qual saiu reforçada com a recente abertura ao tráfico internacional do Aeroporto de S. Pedro.
No caso específico de S. Vicente, o mar continua a ser detentor de excelentes condições como produto a ser explorado muito para além do ícone “sol e praia”, ao servir como suporte para o “Turismo Náutico e Ecológico” que capte turistas num plano que passa por um alargado conjunto de actuações conexas.
O espaço marinho é depositário de oportunidades que para o efeito se abrem ao aproveitamento das capacidades da ampla baía do Porto Grande, formada na cratera submarina de um antigo vulcão, com excelentes condições para o desenvolvimento de diversificados segmentos do turismo aliado ao mar, como sejam competições desportivas ligadas á vela, surf, canoagem, pesca desportiva, pesca submarina, mergulho, observação de espécies no seu habitat (7), entre muitas outras actividades florescentes. (8)
Integrado nesta vertente de recursos, a oferta poderá alargar-se ao “ecoturismo marinho” relacionado com a observação das espécies no seu habitat, visto constituir um activo segmento em várias partes do globo, no âmbito do chamado “watching shark” (golfinhos, baleias, o tubarão-baleia e outros que demandam os nossos mares).
Ainda com os olhos virados para o mar, encontra-se o “turismo de cruzeiro” que se aponta como promissor eixo estratégico, explorando o nicho de mercado ligado à escala dos “navios de cruzeiro”, desafio que poderá dinamizar o comércio local (empresas de transportes, restaurantes, bares, artesanato, guias turísticos, noites cabo-verdianas) e até seduzir os turistas com a apelativa morabeza das gentes.
Por sua vez, a ilha de Santo Antão possui excelentes potencialidades no âmbito do Turismo de Natureza, mas forçoso se torna uma utilização racional dos espaços e sua valorização no convívio com o ambiente.
Estão neste âmbito as actividades de lazer ao ar livre ligadas ao Ecoturismo, que preconiza minimizar os impactos negativos, como sejam montanhismo, escalada e caminhada, pois em cada recanto os visitantes encontrarão um encanto especial em locais onde a Natureza foi generosa. Para esta última circunstância, revela-se de todo o interesse recuperar os antigos caminhos vicinais e aproveitar tais percursos para a aliciante observação das aves e espécies endémicas, filmar e fotografar.
No mesmo encadeamento a ilha de Santo Antão se apresenta, também, atractiva para o chamado “Turismo no Espaço Rural”, que consiste no conjunto de actividades e serviços de alojamento e animação a turistas, realizados mediante remuneração nos empreendimentos de natureza familiar em zonas rurais.
Deste modo, consideram-se empreendimentos de turismo no espaço rural os estabelecimentos que se destinam a prestar serviço sazonal de hospedagem e de animação a turistas, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de instalações, equipamentos e serviços complementares, tendo em vista a oferta de um produto turístico completo e diversificado no espaço rural, que engloba:
a)- Turismo de habitação - Serviço de hospedagem de natureza familiar prestado a turistas em casas antigas, nomeadamente as mansões e casas apalaçadas.
Como é sabido, existem em Santo Antão edifícios antigos que podem ser adaptados a esta função e rentabilizados sem descaracterizar sob o ponto de vista patrimonial.
b)- Turismo em casas de campo - Serviço de hospedagem prestado em casas particulares situadas em zonas rurais, quer sejam ou não utilizadas como habitação própria dos seus proprietários, quando a sua traça, materiais de construção e demais características se integram na arquitectura típica local.
Como estão adaptadas no meio ambiente, fornecerão aos turistas que o desejem, a calma e a paz aliadas à beleza paisagística da ilha, com os contrastes entre vales e altas montanhas, sob o azul do céu ou do mar que a cerca e a harmonia entre o verde e o castanho, algo que não encontram no bulício das urbes.
c)- Turismo rural - Serviço de hospedagem de natureza familiar prestado a turistas em casas rústicas particulares que, pela sua traça, materiais construtivos, e demais características, se integram na arquitectura típica regional.
Este modelo é de fácil implementação em quase toda a ilha, desde que se respeitem as condições mínimas inerentes á sua exploração, que poderá contribuir para uma redistribuição dos benefícios do turismo.
d)- Agro-turismo - Serviço de hospedagem de natureza familiar prestado a turistas em casas particulares integradas em explorações agrícolas, que permitam aos hóspedes o acompanhamento e conhecimento da actividade agrícola ou a participação nos trabalhos aí desenvolvidos, de acordo com as regras desenvolvidas pelo seu responsável.
Trata-se de uma área com enormes potencialidades nas zonas agrícolas, para além de contemplar a divulgação de aspectos da nossa cultura tradicional junto dos visitantes.
e)- Turismo de aldeia - Conjunto de casas situadas numa aldeia, exploradas de forma integrada e por uma única entidade e que pela sua traça e materiais de construção se integram na arquitectura típica local.
No âmbito dos quotidianos, levam os turistas a apreciar a diversidade paisagística da ilha, conhecer os parques e outros espaços naturais, subir montanhas e desfrutar panorâmicas aliciantes, admirar vales profundos, percorrer carreiros, descobrir lugarejos acolhedores, participar em actividades tradicionais. Mas não se pode esquecer que será necessário primeiramente melhorar as condições de acesso e visitabilidade.
Este sistema de exploração turística proporcionará benefícios a ambas as partes, porque enquanto os visitantes se sentirão confortados nas conexões emocionais e espirituais, a correcta redistribuição da riqueza gerada desta sorte contribuirá para a melhoria das condições de vida nas comunidades locais.
No que concerne á viabilidade das sugestões apresentadas, tendo em conta que as escassas mas interessantes experiências já levadas a cabo em Cabo Verde neste ramo específico se terem mostrado bastante animadoras, incentivam o seu alargamento aos diversos sectores agora abordados na via do Turismo Sustentável.
Notas
1- O Governo de Cabo Verde pretende marcar uma nova “etapa”no turismo local e atingir a meta de 500 mil turistas em 2013, num projecto que assume ser ambicioso e que se enquadra no Plano Estratégico do Turismo (PET), apresentado pelo Director-Geral do Turismo, Carlos Pires Ferreira.
2 - José Castilho (Director-Geral do Grupo Oásis em Cabo Verde) - Entrevista ao Oje, de 04-11-2009.
3 – Júlio Lopes – “Não é o turismo que quero para a (minha) ilha do Sal”, in A Semana, de 07-04-2010.
4 - Mone, cozinheiro e dono do restaurante “Sidade di Nos Terra” (Rabil - Boa Vista), queixa-se das consequências do turismo all inclusive, por prejudicar os pequenos empreendimentos, nestes termos:
“Apesar dos muitos turistas estrangeiros que aportam a Boa Vista, o meu negócio está mais voltado à população local e pessoas de outras ilhas que por cá passam. Também recebo turistas mas em pequenos grupos e são os próprios a confessar que poderiam vir mais vezes se não tivessem tudo pago no hotel” – in A Nação, 18-02-2010.
5 – Relatório das Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Comissão Brundtland (1987), Primeira Ministra da Noruega que apresentou o Relatório “Perspectivas Ambientais no Horizonte 2000”e que define o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
6 – “Turismo Cultural e Desenvolvimento”, in A Semana – Cifrão, de 01-08-2003 e 15-08-2003.
7 - O mundo submerso de Cabo Verde é um capital de grande monta, face escondida que deve ser preservada e rentabilizada. Para o efeito, deixem-se de lado os discursos de intenções isoladas e passe-se à acção concreta.
8 – Registe-se, a título exemplificativo, que no caso português, o mar gera 11 % do PIB, 12 % do emprego, 19 % impostos indirectos e 90 % das receitas do turismo.
*Este texto resultou de uma comunicação para ser apresentada no ciclo de conferências “Descobrir, Conhecer e Debater Cabo Verde”, organizadas pela Universidade de Cabo Verde, no decurso de Junho de 2010, mas que apesar de um convite formalmente dirigido ao autor, foi excluído sem fornecer qualquer justificação. Sem comentários …
(A Semana/Cifrão, 18 de Julho de 2010)