Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
O solstício de Verão é um fenómeno da astronomia que marca o início desta estação quando o hemisfério sul está inclinado cerca de 23 graus e 37 minutos na direcção do Sol. O termo solstício tem origem no latim “solstitius” que significa "ponto onde a trajectória do sol aparenta não se deslocar". Consiste no “sol + sistere” que significa "parado". Acontece graças aos fenómenos de rotação e translação da Terra, pois devido às mesmas a luz solar é distribuída de forma desigual entre os dois hemisférios.
No solstício de Verão ocorre o dia mais longo do ano e consequentemente a noite mais curta em termos de iluminação por parte do Sol e neste período as temperaturas permanecem elevadas. A esta época se liga o Estio (sinónimo de Verão), tempo quente e seco do qual deriva o termo "estiagem" (registado no nosso imaginário colectivo e na literatura, por muito característica do nosso arquipélago).
Reconhecida a sua importância, a celebração do solstício foi, desde tempos recuados, um momento astrológico e religioso. Antigamente estes dias eram celebrados tanto na Europa, onde encontramos diversos testemunhos relacionados com os “Ritos Solsticiais”, como nas Américas e desde a Ásia aos mares do Norte, todos festejavam a entrada do Verão celebrando a mudança do Sol. Por isso, muitas ruínas de antigas civilizações e estações arqueológicas reflectem aprofundados conhecimentos astronómicos e dos corpos celestes, levando a que esses postos de observação sejam entendidos como alinhamentos sagrados, caso de imponentes monumentos megalíticos.
Há muito tempo consideradas épocas para o homem harmonizar com as energias do ciclo solar, os solstícios e equinócios eram conhecidos como marcantes ocasiões para estabelecer essa ligação, para a meditação, para a ascensão das pessoas e da Terra.
As mudanças na quantidade de luz afectam o relógio biológico dos seres humanos, motivo porque no imaginário tradicional o solstício de Verão está repleto de poder e magia, sendo ocasião para realizar rituais invocando a prodigalidade da quadra, pois a vida parece mais fácil visto haver tantas horas de luz diurna que permitem realizar todas as tarefas e restar tempo de sobra para o repouso e o entretenimento.
Logo, a passagem do solstício de Verão sempre constituiu ritual de festa e alegria. Antigamente trocavam presentes e faziam grandes festas para agradecer as energias do Sol, que nessa altura do ano brilha mais horas no céu, visto chegar ao seu ponto auge da maturidade, isto é, o dia em que emana a sua energia mais forte, na medida em que a partir daí começará o seu declínio, o seu enfraquecimento. Por exemplo, no contexto da medicina tradicional, as ervas colhidas nesse dia são consideradas mais influentes na sua acção curativa.
Acordar com um dia ensolarado e de céu azul, além de desencadear uma reacção biológica, envolve também componentes culturais, visto a nossa educação nos levar a concluir que um dia bonito contribui para um dia feliz (pensamentos positivos) e, consequentemente, esta época do ano provoca transformações psicofísicas na vida das pessoas.
Daí que ao pensar ou ouvir alguém falar de Verão, perpassar nos pensamentos a imagem de calor, sol, praia, piscina e animação. Com efeito, o organismo mobiliza-se a fim de adoptar comportamentos que venham ao encontro da nova realidade (o ambiente, a luz e o calor); sendo também o estímulo da quadra responsável pela mudança de procedimentos/comportamentos de muitas pessoas que preparam com antecedência para este período com dietas, frequentando ginásios ou fazendo caminhadas para adquirir boa forma física. Registe-se, ainda, que estas atitudes provocam melhorias na auto-estima e leva os seus praticantes a se sentirem bem-dispostos e mais alegres.
Igualmente, muitos animais sofrem alterações com essa mudança de luz/calor e para algumas espécies tem efeitos profundos sobre o seu ciclo biológico, em particular na mudança da pele, substituição de penas e na reprodução, que é cuidadosamente escalonada.
No entanto, acontece que no hemisfério norte, em geral, os meses mais aproveitados para férias coincidem com o Verão, sendo Agosto o mais utilizado em muitos países da Europa. Como o corpo humano não pode actuar com toda a sua potencialidade sem interrupções para repousar, as férias são períodos de suspensão periódica da rotina quotidiana ou de uma actividade constante, que neste caso decorre consoante a legislação de cada país.
O termo féria provém do latim “feria-ae”, singular de “feria-arum”, que significava o dia em que não se trabalhava por prescrição religiosa. Assim, a palavra latina encontra-se também na denominação dos dias da semana do calendário elaborado pelo imperador romano Constantino (Século III d.C.): “Prima feria, Secunda feria, Tertia feria, Quarta feria, Quinta feria, Sexta feria e Septima feria”. No século IV, por influência da religião, “prima feria” foi substituído por “Dominicus dies” (dia do Senhor) e “septima feria'” se transformou em “sabbatu”, dia em que os judeus se reuniam para orar.
Portanto, o Verão é a temporada de férias por excelência e são poucos os trabalhadores que não fazem uma pequena pausa nesta época. Acresce que boa percentagem procura a praia porque o calor aperta e convida a um mergulho no mar/piscina ou aproveitam para passar momentos de tranquilidade relaxados ao Sol. Razão porque as estâncias balneares tornaram-se centros de actividade com uma enorme oferta de entretenimento e lazer para miúdos e graúdos, ao longo do dia e ao serão.
Contudo, é cada vez é maior o número daqueles que procuram alternativas à praia, encontrando outras formas de passar os seus momentos de lazer/tempos livre e muitos já preferem a natureza ou se dedicam a viajar, conhecer novas culturas, visitar museus, monumentos, aspectos de interesse ou locais aprazíveis.
Todavia, para se entender o actual significado e a crescente importância das férias na sociedade contemporânea, é preciso situá-las num contexto que oferece, simultaneamente, o quadro de referência histórica e pistas para sua conceitualização. Tal conjuntura vem dos tempos da Revolução Industrial, quando a disciplina, o ritmo e intensidade do trabalho só conheciam um limite: o da exaustão física e psíquica daqueles contingentes de trabalhadores em que a interrupção das actividades - seja agrícola, artesanal ou outra - era ditada pelos ciclos da natureza e legitimada por um calendário religioso que marcava o tempo através das festas e rituais.
Porém, na nova ordem socioeconómica a produção deixou de ser determinada pelas necessidades de consumo do grupo doméstico, que aliás fornecia um dos factores envolvidos no processo produtivo: a força de trabalho. Desta forma, melhores e mais humanas condições de vida e trabalho foram conquistadas pelos movimentos operários no sentido de diminuir a jornada de trabalho, criar o descanso semanal remunerado, igualdade do género, férias, etc.
Este quadro de referência permite entender, nas suas origens, a consolidação das férias e verificar a forma como são hoje encaradas, pois, tais pausas já não são analisadas apenas em referência ao mundo do trabalho, mas como seu complemento, visto serem consideradas uma feição de rentabilizar a produção.
Entrementes, analisando as regras que hoje presidem o uso do tempo livre, por intermédio das diferentes formas de lazer, verifica-se que sua dinâmica vai muito além da mera necessidade de reposição das forças despendidas durante a jornada de trabalho. Representa, antes, uma oportunidade de, através de antigas e novas configurações de entretenimento e convívio, estabelecer, revigorar e exercitar as forças que garantem a rede básica de sociabilidade.
Assim, mesmo numa sociedade como a cabo-verdiana, marcada por profundos contrastes socioeconómicos e com significativa percentagem de população carente, cada vez mais as férias deixaram de ser pensadas como privilégio de poucos ou como algo acessório, passando a ser vistas como parte constitutiva da cidadania e de modos de vida, ainda que diferenciados.
(A Nação nº 365, de 28 de Agosto a 03 de Setembro de 2014)