Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
Forma de expressão, espécie de invenção/criação, a dança consiste, basicamente, num conjunto de gestos bem determinados na sua dimensão e explorando movimentos feitos de meneios e expressões corporais que originam desencontros sucessivos num exercício de libertação, quase ultrapassando os limites das capacidades na sua interpretação. Complementarmente, a metamorfose do corpo e a utilização de configurações distintas originam uma espécie de higiene do espírito atravessado por interrogações, descobertas e conflitos, recorrendo-se ao sentido profundo do imagético, do intrínseco ou da memória.
Sendo a música um dos elementos mais representativos da nossa cultura, o cabo-verdiano tem o ritmo no corpo, de modo que as suas músicas tradicionais estão normalmente ligadas a danças bem expressivas.
Neste contexto, como a 29 de Abril se assinala o “Dia Mundial da Dança”, alguns dos mais emblemáticos “grupos” apresentaram diversas actividades no “mês da dança”, com o propósito da sua divulgação e valorização, exibindo para tanto vários estilos e coreografias. Igualmente aconteceu nesse mesmo mês o “Atlantic Music Expo: Cabo Verde”, que integrou na sua programação as chamadas “músicas urbanas” e, ainda, o “Festival Kriol Jazz”, que incluiu danças tradicionais.
Mesmo tendo em conta a carência de referenciais teóricos sobre o histórico das “danças urbanas”, como complemento da respectiva música, o estilo assim conhecido adveio do rótulo que os americanos criaram para identificar formas de dançar que despontaram nos guetos e centros urbanos. Naquela conjuntura social, a “dança urbana” surgiu para contrariar a violência nos bairros, pois grupos de jovens afro-americanos juntavam-se em “batalhas de dança” procurando transmitir o seu descontentamento através de movimentos corporais.
Originalmente influenciados pelo sapateado clássico irlandês, os negro-americanos criaram estilos baseados na técnica percussiva dos sons dos pés, aliada à estrutura e movimentação de danças africanas. Englobando vários géneros, as danças urbanas combinam criatividade e corporização, num panorama ganhando terreno nas mais diversas partes do mundo.
Outras influências apareceram quando, na crise da década de vinte do século passado, músicos e bailarinos desempregados dos cabarés foram para a rua fazer os seus shows, acrescido da alusão a militares que regressados da guerra no Vietnam expressavam “movimentos robóticos” como crítica social significando a substituição do homem pelas máquinas, para além da influência do blues, música rural trazida para meios urbanos e do soul que falava de sentimentos nos encontros religiosos, conduzindo à fusão de diferentes estilos ricos e diversificados nos seus movimentos e ritmos dinâmicos, alegres e sensuais.
Assim, apoiando em diversas bases se foram construindo, num processo de identificação, apropriação e adaptação, até chegar às músicas de batidas fortes e marcantes, que acompanham a também chamada “dança de rua” (Street Dance). Esta integra um conjunto de pormenorizados movimentos (combinados com expressão facial) tendo como características serem sincronizados, harmoniosos, rápidos, simétricos de pernas, braços, cabeça e ombros, acrobáticos e coreografados.
Contudo, a nomenclatura das diversas danças desenvolveu-se nos finais dos anos oitenta do século passado, pois seus executantes iam elaborando formas de dançar em duplas, trios e grupos, de modo que alguns gestos se tornaram comuns e específicos da dança de rua, ao adquirirem linguagem própria.
Esta demostração cultural ramificou-se conforme as renovações das músicas, originando outras expressões corporais, porque a fluência do ritmo persuade os dançarinos, visto considerarem que a essência da dança de rua está no feeling, no sentimento como a música toca no íntimo de cada um e faz executar movimentos acompanhando os seus ritmos.
Mais tarde, as apresentações públicas, a integração em festivais e concursos, acabaram por aproximar as danças de rua aos palcos. A partir de então os seus praticantes, muitas vezes oriundos das camadas mais desfavorecidas, passaram a interagir com elementos das escolas e companhias, conquistando respeito e reconhecimento.
Não pretendemos debruçar sobre os diferentes tipos de danças urbanas/danças de rua, mas apenas aflorar alguns aspectos das mais cultivadas e actualmente entendidas como arte, passatempo ou lazer, contando-se nesta designação hip-hop, breakdance, popping, locking, breaking, krumping, waacking, house dance, vogue, street jazz ou jazz-funk, disco, entre outras.
Com a evolução, nos anos 60, através da música funk surgem letras fugindo do fundo religioso e acompanhando ritmos mais animados, pois faziam uso dos instrumentos de sopro, possuíam uma cadência viva e se caracterizavam pela uma identidade, modo de vestir, cantar e dançar.
Uma das primeiras danças urbanas, o locking, se identificava pelos movimentos de “travar” os joelhos, produzindo a impressão de uma ruptura, congelando em certas posições para depois continuar rápido como antes. O dançarino interagia com o público, sorrindo, batendo palmas e apresentando diversas performances ao fazer uso de improvisações.
Paralelamente ao lockink, aparece a dança breack entre jovens afro-americanos e latinos que indo para as ruas, dançavam em cima de caixas de papelão ao ritmo de músicas latinas, escutadas de rádios de pilhas, começaram a criar movimentos, vocabulário próprio e a fabricar trajes. Porém, não era uma actividade feita à toa, porque muitos dançavam nos bairros com o intuito de conquistar território através de competições entre grupos, num jogo de desafio e provocação.
Todavia, apesar da grande variedade de estilos, no fundamental existem dois tipos de “danças de rua”: Street dance vinculada à cultura hip-hop, grupos ou crews; e Street dance vinculada às academias e estúdios de dança.
As características veiculadas pelo “Movimento Hip-Hop” (hip - quadril; hop - pulo) são improvisação, mistura de linguagens, encenação teatral, mímica e dança, mas nele coexistem três manifestações interligadas: hip-hop culture, hip-hop music e hip-hop dance. Daí se entroncarem grafitti, dança breack, música de raiz africana, rap (revolução através da palavra), com um significado, ritmo e poesia, visto deter um feeling diferente nas festas em que os DJs animavam as pessoas rimando na batida da música uma energia que saltava para o público. Á medida que o tempo passava a música hip-hop adquiria mais recursos, houve uma maior qualidade de produtores, as “danças sociais” estrearam nos vídeos clips, os dançarinos começaram a fragmentar os passos e os movimentos, criando a dança hip-hop freestyle.
Trabalho de coordenação motora, com ritmo, musicalidade e gímnica, esta manifestação popular possibilitou à juventude das periferias uma alternativa de acesso a espaços mais centralizados, nos quais a partir das actuações e de convívios foram incorporando novos hábitos, valores e comportamentos, consumindo e apropriando significados como forma de integração social. Deste modo, a dança urbana/dança de rua assumiu um importante papel ao afastar jovens das drogas e do mundo do crime, tornando-os cidadãos responsáveis.
Portanto, tomando como exemplo o caso do Brasil, onde estas “escolas de música” têm obtido bons resultados, parece-nos aconselhável dar sequência a recentes experiências realizadas no arquipélago, diversificando as temáticas e ampliando as mesmas a todo o País.
(A Nação n.º 346, de 29 de Maio a 04 de Junho de 2014)