Textos
Alguns trabalhos abordando temas diversos, recentemente publicados em jornais e revistas, com suas referências bibliográficas.
CLUBE DE LEITORES

       Entre outras definições, iliteracia consiste na dificuldade em ler, escrever e interpretar; falta de conhecimentos considerados básicos; a qualidade ou condição de quem é iletrado; pessoa que tem grandes dificuldades na leitura e escrita (Dicionários). Trata-se de um neologismo que parece ter sido formado pela tradução do termo inglês “illiteracy”, embora já existisse em português uma palavra com significado semelhante, o substantivo iletrismo (diferente de analfabetismo).

       No contexto da iliteracia em Cabo Verde, tome-se como exemplo uma informação relativa à ilha de Santo Antão (*), cujos professores afirmam que a fraca adesão dos cabo-verdianos para a leitura se deve ao ensino deficitário em Cabo Verde: “O hábito de leitura, sobretudo no seio da camada mais jovem, é cada vez mais fraca”, adverte Adelina Alves, professora do Ensino Básico e Integrado, no concelho de Ribeira Grande há mais de trinta anos, acrescentando que “o hábito de leitura tem de ser cultivado desde cedo e o ensino em Cabo Verde é limitado nesse aspecto, a começar pelos manuais que não suscitam grande interesse”.

       Salienta outro testemunho: “Apesar de os níveis de analfabetismo terem diminuído consideravelmente nos últimos anos, o hábito de leitura, o gosto e a astúcia para procurar, para pesquisar ainda é bastante fraco”, garante Vanda Leite que alerta para a questão do deficit de livros não dar “vasão à procura, mesmo que fraca, e carência dos alunos”, chamando a atenção para o facto de a sociedade cabo-verdiana se encontrar “votada ao comodismo, à apatia”, aspecto que se deve também “à falta de conhecimentos, a começar pela nossa própria história”.

        Partindo do pressuposto que os hábitos são transmitidos por parte de quem os pratica, no que concerne ao incentivo à leitura, a melhoria das condições de ensino “também passa pelos professores, pela mudança de atitudes dos próprios que devem procurar ampliar seu campo de visão, cultivando, eles próprios, uma necessidade de crescer, de aprender mais”, sublinha Marísia Soares, bibliotecária no Porto Novo.

       Por sua vez, Lígia Leite (Biblioteca Municipal do Mindelo) comenta que deveria haver mais colaboração dos professores com as bibliotecas, para que o acervo bibliográfico vá ao encontro das reais necessidades dos alunos: “Os professores não frequentam as bibliotecas e muitas vezes não têm conhecimento dos livros existentes”, assegura, lembrando que os mesmos contribuem para que a adesão dos alunos seja cada vez mais fraca porque “ não exigem as referências bibliográficas”, o que contribui para que os estudantes não procurem aprofundar os conhecimentos através dos livros.

       Perante estas judiciosas considerações, não se pode alhear de tão candente problema, na medida em que significativa percentagem de estudantes são despejados para a sociedade com um fantástico diploma do 12º ano no bolso, mas iletrados e com a “caixa craniana embotada” e incapazes de interpretar os valores socioculturais, em lugar de os transformar em cidadãos sabedores, conscientes, críticos e ponderados, situação que num ciclo vicioso se perpetuará nas gerações seguintes.

       Ficam com um “grau” mas, desafortunadamente, sem grande proveito social, porque devido à “iliteracia” tantos anos de escolaridade, muito dinheiro gasto e a apresentação de números pomposos de qualificação, não têm alterado certa “pobreza de espírito” que continua apesar das estatísticas, esse monstro guloso que provoca a cegueira colectiva, pois se sobrepõe à “realidade” pela forma impressionante como manipulada influencia os menos avisados. 

       Seguramente serão estas as raízes do "analfabetismo funcional" que, não obstante o aumento da escolarização formal, se traduz por dificuldades de leitura, escrita e cálculo, obstáculos que arreigam nas aprendizagens e saberes pouco sedimentados. A esse tipo de “analfabetismo” associa-se o conceito de "iliteracia", traduzida na incapacidade de usar as competências ensinadas e apreendidas.

       Dado que essa fase de formação específica corresponde, normalmente, aos escalões dos ensinos básico e secundário, caberá à Escola implementar estratégias que contrariem tal afastamento e procure aproximar os estudantes dos livros, ajudando-os a redescobrir e/ou desenvolver o útil prazer da leitura.

       Considerando se tratar de um faixa etária pouco propícia a imposições, numa actuação junto dos jovens há que encontrar vias de sedução pelos livros e é nesse sentido que os Clubes de Leitores ganham toda a pertinência, porque respondem a um traço caracterizador da adolescência – o espírito de grupo com todo o ritual que um clube envolve.

       Os Clubes de Leitores são, pois, associações onde comu­nidades de leitores podem dis­cu­tir os seus livros favoritos, par­tic­i­par em ciclos de leitura e debate ou até criar o seu próprio grupo específico. Contudo, as suas actividades se centralizam primordialmente em encontros de leitores (e de futuros leitores) que amam os livros, gostam de partilhar com outros o prazer de ler e acreditam que a troca de ideias enriquece o indivíduo. 

       Portanto, têm como finalidade incentivar a descoberta de diferentes formas de aproximação aos textos, literários ou não, através da discussão em grupo de obras escolhidas previamente pelos respectivos animadores culturais. No sentido de fugir à rotina, realizam regularmente sessões com a presença de convidados (com comunicações e debate) ou reuniões à volta de um livro previamente seleccionado, para que todos possam participar na permuta de pontos de vista.

       Acresce que um Clube de Leitores constitui uma forma informal de as pessoas se reunirem, conviverem, alimentar a leitura, realizar debates à volta de livros e aprender mais. Por isso é suposto haver partilha de conhecimentos entre os seus membros acerca de livros, autores ou géneros literários, nos encontros realizados em espaços próprios, bibliotecas, cafés, etc.

       Os Clubes de Leitores podem, igualmente, assumir-se como uma extensão intergeracional aberta à participação de todos (jovens e seniores) que encontrem deleite na leitura e tenham vontade de partilhar as suas apreciações. Para tanto, convém que na respectiva organização integre consensualmente as sugestões dos vários escalões etários, optando por um modelo flexível em que as sessões assumam formatos mistos e diversificados ou, então, estruturadas em torno de uma obra, de um autor, de um texto (prosa, poesia, ensaio, crónica, reportagem), incluindo momentos de debate, visionamento de filmes, contacto com autores, visitas guiadas a bibliotecas ou potenciais cenários de estudos colectivos (Roteiro da vida e obra de um autor).

       Tendo em conta a nossa característica arquipelágica, aproveitando as facilidades proporcionadas pelas noves tecnologias, esses debates podem também ter lugar através de videoconferências, encontros virtuais a partir da criação de “sítios” para troca de ideias e agendamento de encontros, contribuindo para os manter vivos através da activa participação dos respectivos membros com notícias, comentários, sugestões de leitura, passatempos e mesmo inquéritos (“Qual o seu livro favorito? Porquê?”, “Algum livro influenciou a sua vida? Como?”, “Qual o livro que o/a fez rir/chorar?”). Por vezes existem nos Clubes da Leitura uma “listagem” de livros sugeridos e podem constituir-se num ambiente para livrarias e editoras divulgarem obras e autores.

       Ao atingirem certa representatividade, os Clubes de Leitores lograrão mesmo organizar uma “Plataforma dos Clubes da Leitores” dinamizada pela interactividade dos utilizadores da Internet e, também, local onde cada utilizador/leitor cria a sua própria comunidade de leituras para discutir, sugerir obras, apresentar comentários, etc.

       Daí que tendo como objectivo contribuir de forma decisiva para a promoção da leitura em Cabo Verde, mostrar-se de interesse conceber dinâmicas em torno de benefícios comuns resultantes do incentivo aos hábitos de leitura, divulgação livros, realização de mostras bibliográficas e repartição de informações, concretizados pela criação de Clubes de Leitores (ainda que virtuais através de portais) empenhados em divulgar livros e escritores.

       Sugere-se, portanto, que na formulação das políticas de ensino sejam considerados um “Plano Nacional de Leitura” e “Rede de Bibliotecas Escolares” que desafiem as escolas a organizarem Clubes de Leitores, cujo funcionamento e preparação/planificação das actividades serão adaptados a cada contexto concreto e em articulação com as actividades académicas, com vista à real eficácia pedagógica desta proposta.

      Formulamos desejos para que estas despretensiosas sugestões possam encontrar algum eco junto dos responsáveis nesta “rentrée” das actividades académicas.

 

* Notícias do Norte, 24 04-2013

                                                                                  (A Nação nº369, de 26 e Setembro a 01 de Outubro de 2014)