ENTREVISTA CONDUZIDA POR KEILA

Considera-se um bom escritor? Se sim, o que torna a sua escrita tão eficaz?

JLF: A sua pergunta pode ser interessante, mas suponho que o escritor faz o seu trabalho e coloca o livro à disposição do público. Na minha óptica, quem deverá opinar e considerar bom ou mau escritor é o público-leitor. Pessoalmente, quando escrevo apenas procuro partilhar algo que penso e observo sobre um determinado tema.

Onde e quando aprendeu a escrever (como escritor)?

JLF: Acontece que na minha família sempre houve o hábito de leitura. O meu pai tinha uma biblioteca razoável, com os clássicos portugueses e também tudo o que saía sobre Cabo Verde. Desde pequeno levou-me a interessar pelas coisas do saber, não só pela leitura em geral, como especialmente pela cultura cabo-verdiana. Este contexto fez com que eu me sentisse um tanto seduzido pelos livros. Mas há um segundo aspecto: o meu pai tinha o costume de regularmente fazer uma espécie de “serão cultural” em nossa casa, onde participava toda a família, na medida em que  cada membro punha uma questão para análise conjunta ou então falava sobre aspectos de um livro que lera e trocávamos ideias abertamente. Nesse contexto também ele nos levava a elaborar textos baseados no quotidiano para comentarmos em comum. Assim começou o meu hábito da escrita.

Porquê é que escreve?

JLF: Remeto-lhe para a resposta anterior. Como disse, o meu pai incutiu-me o interesse pelos estudos da cultura cabo-verdiana, que venho cultivando há décadas. Comecei a ler e a debruçar sobre a nossa cultura, vindo a constatar que significativa percentagem dos cabo-verdianos desconhece não só as bases da sua cultura e mesmo a sua própria história. Então, como um dever de cidadania no sentido alargado, resolvi investigar aspectos da cultura cabo-verdiana e partilhar os resultados das minhas pesquisas.

Quanto tempo leva a escrever um livro?

JLF: Não escrevo como profissional. Escrevo apenas quando surge algum incentivo, para não dizer estar inspirado, mais concretamente quando detecto algo que me interesse ou então prenda a minha atenção no contexto da vivência cabo-verdiana. Portanto, não sou daqueles que levantam de manhã e começam a escrever quase como um dever, como fazem alguns escritores. Aliás não me considero escritor, mas sim investigador. Nas minhas pesquisas tento estudar e recolher elementos da nossa sociocultura, que são complementados com alguma criatividade e assim vou construindo os meus livros. Portanto, não escrevo como profissão, nem com o intuito de publicar. Procuro apenas registar e interpretar. Quando entendo que esses escritos têm alguma substância e estão mais ou menos organizados, partilho com o público.  

Normalmente quantos rascunhos faz?

JLF: Não me preocupo com esse aspecto que considero secundário na pesquisa, tanto mais que não escrevo com a preocupação de entregar com prazos marcados. Por isso vou fazendo sem pressas as revisões que se mostrarem necessárias. O meu cuidado é pretender apresentar algo com acabamento. Daí ser recomendável mais do que uma revisão, visando a respectiva melhoria.     

Seria a mesma pessoa hoje se não fosse escritor?

JLF: Como já referido, não me considero escritor. No entanto, o facto de escrever e partilhar com os possíveis interessados dá-me a sensação do dever cumprido. Assim na minha actividade de investigador a escrita é um complemento. Impus-me como missão procurar contribuir para o conhecimento de Cabo Verde e a preservação da cultura e património cabo-verdianos. Procuro, também, levar a juventude a interessar-se pela nossa cultura e sempre que possível incentivar-lhes para o seu estudo. Portanto, o meu propósito não será particularmente gratificar o ego, mas primordialmente colaborar em prol da afirmação da identidade cabo-verdiana. Daí poder dizer que me sinto de certa maneira recompensado ao constatar o aumento do interesse por vários aspectos da cultura cabo-verdiana, que poderão ser colocados ao dispor de desenvolvimento do país, nomeadamente através da coerente exploração turística dos Patrimónios Natural e Cultural.

Considera importante aprender a escrever bem?

JLF: Suponho que o grande mal dos nossos estudantes é isto mesmo. Com docente na Universidade de Cabo Verde, verifico que um número muito reduzido de estudantes cabo-verdianos escrevem razoavelmente, enquanto uma percentagem significativa de alunos escrevem muito mal, para não dizer pessimamente. Às vezes tenho problemas na correcção das provas, na medida em que muitos não conseguem transmitir através da escrita aquilo que pensam. Constato que estes estudantes têm mais facilidade em exporem oralmente os seus conhecimentos do que pela escrita. Considero que tal se deve a não haver hábitos de leitura por parte desses estudantes. Se visitar a nossa biblioteca, verificará que estarão lá são muito poucos alunos e os que estiverem a ler um livro, fazem-no quase que por obrigação. Tente perguntar a esses estudantes se estão a ler por prazer e por certo a resposta será negativa. Julgo que quando se lê com satisfação é que aprendemos a interpretar bem e, consequentemente, a escrever correctamente. Como é sabido, existe entre nós uma grande iliteracia. Muitos dos que têm alguma formação académica, ela é por vezes quase que documental, porque nunca mais pegaram num livro. Acresce que boa parte dos nossos estudantes, logo no dia em recebem o “canudo” fecham os livros e praticamente nunca mais os consultam ou lêem outros. A título exemplificativo, controle quantos e quem lê jornais em Cabo Verde. Faça o mesmo relativamente às revistas com teor académico ou do saber/conhecimento, veja qual a sua tiragem e a percentagem vendida. Concluindo, quem não lê, por certo terá dificuldades em escrever. No geral, o estudante cabo-verdiano quase não lê por deleite ou mesmo informação e, como consequência, a maior parte escreve mal por falta de prática.     

Quais são os benefícios que aprender a escrever bem pode trazer?

JLF: Aprender a escrever ajuda a organizar a mente e a ordenar um plano de raciocínio, para estruturar e elaborar a redacção. Como muitos estudantes não se sentem preparados para este exercício, por vezes não conseguem estruturar as ideias de modo a lhes permitir expor correctamente os assuntos abordados, certamente com repercussões na sua futura actividade profissional.

Que recomendação deixaria aos professores no que tange ao ensino da escrita?

JLF: Suponho não ser correto da minha parte fazer recomendações aos professores. Seria também uma ousadia tal atitude. Sugiro antes que se incuta nos alunos o hábito da leitura, se encaminhe os estudantes no sentido de uma leitura analítica e se introduza nos curricula escolares mais livros sobre a cultura cabo-verdiana e escritores cabo-verdianos. Também não esquecer os nossos clássicos, porque de momento não se encontram à venda livros de Baltazar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes, António Aurélio Gonçalves, Teixeira de Sousa, entre outros. Quer queiramos quer não, a nossa língua oficial ainda é apenas o Português. Como tal não se pode esquecer alguns nomes de referência portugueses, como de Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós e bons escritores contemporâneos. É lendo que se aprende a ler e é escrevendo que se aprende a escrever.      

Muito obrigada pelo diálogo esclarecedor e informativo.

                                                                        (Escritores Cabo-verdianos - Dissertação de Mestrado – Praia, UNICV, 2013)